quarta-feira, 2 de julho de 2008

O Campo Científico

p. 122 O universo da ciência é um campo social como outro qualquer, com suas relações de força e monopólios, suas lutas e estratégias, seus interesses e lucro.

Postulado da sociologia da Ciência: verdade do produto reside numa espécie particular de condições sociais de produção.

A luta pelo monopólio da competência científica

p. 122 Campo científico: sistema de relações objetivas entre posições adquiridas, espaço de jogo de uma luta concorrencial pelo monopólio da autoridade científica.

Autoridade científica é definida como capacidade técnica e poder social de falar e de agir legitimamente.

p. 123 Funcionamento do campo científico produz e supõe uma forma específica de interesse, de competência. Esta não devendo ser entendida apenas como representação social nem somente como pura capacidade técnica.

p. 124 A capacidade científica de um determinado agente social não é julgada simplesmente pelas noções de “competência” citadas acima, mas também pelo conhecimento da posição que este ocupada nas hierarquias constituídas.

Interesse por uma atividade científica tem sempre uma dupla face: determinações puramente intelectuais (“puras”) e determinações políticas – e é inútil distinguir entre esses dois aspectos, pois caminham sempre juntos.

p. 125 Crítica a Kuhn por sua visão idealista, que considera a ciência como tendo uma lógica imanente e sugere que as “revoluções científicas” só ocorrem após o esgotamento de paradigmas. Bourdieu afirma que “... é preciso supor que os investimentos se organizam com referência a uma antecipação – consciente ou inconsciente – das chances médias de lucro (simbólico) em função do capital acumulado.

p. 126 Uma ciência da ciência só pode se constituir se recusar a oposição abstrata entre uma análise imanente ou interna (que caberia mais à epistemologia) e uma análise externa – que relaciona a primeira análise com as condições sociais do seu aparecimento.

A acumulação do capital científico

p. 127 Autoridade científica é um capital social que assegura poder sobre os mecanismo constitutivo do campo e que pode ser convertido em outras espécies de capital.

Num campo científico autônomo, um produtor particular só poderá esperar o reconhecimento do valor de seus produtos de outros produtores que também estão dentro do mesmo campo. Além disso, seus concorrentes não podem contentar-se em se distinguir dos seus predecessores; são obrigados a integrar suas aquisições na construção distinta e distintiva que os supera.

p. 128 No campo científico está sempre em jogo o poder de impor uma definição de ciência adequada aos interesses de quem quer o poder. A definição mais apropriada é que permite ao agente ocupar legitimamente a posição dominante e que o coloque na mais alta posição hierárquica.

p. 129 Crítica à visão “durkheimiana” do campo científico: ciência oficial como conjunto de normas e valores que a “comunidade científica” imporia a todos os seus membros, segundo Bourdieu, pode não passar de uma “transfiguração do universo científico que os detentores da ordem científica têm o interesse de impor”.

p. 131 Reconhecimento garantido socialmente pelos pares-concorrentes de um determinado agente social ocorre em função do valor distintivo do seu trabalho e da originalidade da contribuição que ele traz aos recursos científicos já acumulados.

Importância e freqüência das questões de prioridade: o capital de autoridade proporcionado pela descoberta é monopolizado pelo primeiro a fazê-la ou, pelo menos, pelo que a torna reconhecida.

p. 132 Valor diferencial da autoridade científica: o conceito de visibility. “Acumular capital é fazer um “nome”, um nome próprio, um nome conhecido e reconhecido, marca que distingue imediatamente seu portador (...)”.

p. 133 O mercado dos bens científicos tem suas lei, que não têm nada a ver com a moral.

Capital científico e propensão a investir

p. 133-134 Relação dialética entre as estruturas e estratégias dos agentes e das instituições dentro do campo científico faz com que desapareça a antinomia entre sincronia e diacronia, estrutura e História.

p. 134 Num determinado estado do campo, os investimentos dos pesquisadores dependem tanto na sua importância quanto na sua natureza da importância de seu capital atual e potencial de reconhecimento e de sua posição atual e potencial no campo.

p. 135 O efeito do prestígio das instituições se exerce pela mediação da “causalidade do provável”, ou seja, “pela virtude das aspirações que autorizam e que favorecem as chances objetivas.

Para compreender as transformações das práticas científicas que acompanham o avanço da carreira é necessário relacionar as diferentes estratégias científicas com a importância do capital possuído, que, definindo as chances objetivas de lucro, define as estratégias razoáveis de investimento e desinvestimento.

p. 136 Toda carreira se define fundamentalmente pela posição que ela ocupa na estruturado sistema de carreiras possíveis.

A ordem (científica) estabelecida

p. 136 Forma que reveste a luta científica e política pela legitimidade depende da estrutura da distribuição do capital específico do reconhecimento científico entre os participantes da disputa. Essa estrutura varia entre dois limites teóricos: a situação de monopólio do capital de autoridade científica e a situação de concorrência perfeita supondo a distribuição eqüitativa desse capital entre todos os seus concorrentes.

p. 137 Dominantes e pretendentes recorrem a estratégias antagônicas profundamente opostas em sua lógica e no seu princípio. Os primeiros utilizam estratégias de conservação que vão desde o estabelecimento de uma ciência oficial até o controle das instituições que asseguram a produção e circulação dos bens científicos.

p. 138 Já os pretendentes (“novatos”), utilizam estratégias de sucessão e de subversão.

Da revolução inaugural à revolução permanente

p. 141 O fato de que o campo científico contenha sempre uma parte de arbitrário social não impede que, em certas condições, a própria lógica do campo exerça um desvio sistemático dos fins que “transforma continuamente a busca dos interesses científicos privados em algo proveitoso para o progresso da ciência”.

p. 142 Enquanto o método científico e a censura que ele impõe não estejam objetivados em mecanismos e disposições, as rupturas científicas tornam-se necessariamente revoluções contra a instituição e contra ordem científica. Mas, depois dessas revoluções originárias (inaugurais), se encontra excluído qualquer recurso ou poder diferentes dos que são comuns ao campo: consequentemente, este passa a direcionar o funcionamento não só da “ciência normal”, como também o das rupturas extraordinárias – que agora estão inscritas na lógica da própria ciência, campo de revolução permanente.

p. 143 Antinomia entre ruptura e continuidade são atenuadas num campo que “encontra na ruptura contínua o verdadeiro princípio de sua continuidade”.

A ciência e os doxósofos

p. 145 Fundamento da ciência: crença coletiva em seus fundamentos, que o próprio funcionamento do campo científico produz e supõe.

O campo de discussão que a ortodoxia e a heterodoxia desenham se recorta sobre o fundo do campo da doxa, conjunto de pressupostos que os antagonistas admitem como sendo evidentes, aquém de qualquer discussão – sempre fora dos limites da luta.

p. 146 A questão que deve ser colocada é, pois, o grau de arbitrário social presente na crença que o funcionamento do campo produz. Esse grau define a existência e a diferença entre campos científicos e campos de produção de discursos eruditos – “onde o trabalho coletivo só tem por efeito e função perpetuar o campo idêntico a ele mesmo, produzindo, tanto dentro quanto fora, a crença no valor autônomo dos objetivos e dos objetos que ele produz”.

p. 147 Essa diferença se mostra na relação de dependência pela aparente independência em relação às demandas externas.

Doxósofos são os cientistas aparentes e da aparência. Só podem se legitimar pela constituição de um saber inacessível ao profano e praticam uma falsa ciência reproduzindo a visão oficial do mundo social “nas semi-abstrações de um discurso descritivo-normativo”. Utilizam sempre a estratégia da falsa ruptura (com o senso comum) “que define o jargão erudito por oposição à linguagem científica”. A verdade objetiva é que é que esse tipo de campo (de produção de discursos eruditos) só dispõe de uma falsa autonomia.

p. 149 Crítica à sociologia oficial e sua doxosofia: “é a existência de ciências mais avançadas (...) que permite à sociologia oficial atribuir-se aparências de cientificidade: a ostentação de autonomia pode tomar, aqui, uma forma sem precedentes (...). A sociologia oficial visa não a se realizar enquanto ciência, mas a realizar a imagem oficial da ciência que a sociologia oficial da ciência (...) tem por função fornecer-lhe (...)”.

p. 152 A sociologia oficial, para se manter como (falsa) ciência, deve ostentar objetividade e neutralidade ética, além de manter as aparências de um ruptura com a classe dominante e suas demandas ideológicas.

Segundo Bourdieu, é necessário analisar essa retórica de cientificidade que se explicita por meio de um conjunto de estratégias destinadas a dar uma aparência de acumulação, de fechamento e de denegação, e que fecham um círculo de legitimidade.

p. 154 “Com efeito, uma sociologia científica da ciência só pode constituir-se com a condição de perceber claramente que às diferentes posições no campo científico associam-se representações da ciência, estratégicas ideológicas disfarçadas em tomadas de posição epistemológicas através das quais ocupantes de uma posição determinada visam justificar sua própria posição (...) e desacreditar, ao mesmo tempo, os detentores da posição oposta (...)”.

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