quarta-feira, 2 de julho de 2008

Antropologia Estrutural II

Capítulo I – O Campo da Antropologia

p.13 Mauss nunca se afastou da linha durkheimiana: simplificou e tornou mais flexível a doutrina do seu precursor

Durkheim colocou exigência de especificidade na ciência do homem. Não se pode questionar a natureza e a origem dos fenômenos sem antes tê-los identificado e analisado, e também descoberto em que medida as relações que ao unem basta para explicá-los. É impossível discutir a história de um objeto sem antes descobrir o que ele é, sem antes ter esgotado o inventário de suas relações internas.

p.14 Crítica a Durkheim: constitui o social em categoria independente, sem antes pensar que esta categoria comporta, por sua vez, diversas especificidades correspondentes aos diversos aspectos sob os quais nós a apreendemos. Antes de afirmar que linguagem, arte, religião são projeções do social, não esperou que se compreendesse quais as relações que estes elementos mantêm uns com os outros.

Mauss: a noção de totalidade durkheimiana é menos importante do que a maneira como ele a percebe – formada por uma multidão de planos distintos e justapostos.

Mauss e Durkheim ao invés de perceber a totalidade como um postulado (como Durkheim), ela se manifesta na experiência como instância que pode ser apreendida no nível da observação, em ocasiões específicas. Totalidade de Mauss não afeta o deixa de lado o caráter específico dos fenômenos que permanecem, ao mesmo tempo, jurídicos, econômicos, religiosos, estéticos etc. Totalidade consiste na rede de inter-relações entre todos esses planos. Atitude empírica de Mauss explica sua posição positiva com relação às pesquisas etnográficas.

Mauss e categorias inconscientes deve-se procurá-las atrás das interpretações racionalizadas dos indígenas

p.15 Posição de Mauss permite pontes com história (em função da etnografia) e com a biologia e a psicologia, uma vez que se reconhece que corpo, alam e sociedade se misturam : sociologia da carne.

Mauss protege sociologia durkheimiana tanto da desencarnação quanto do automatismo. Livrou a sociologia de ser o produto de um saque às expensas de outras áreas.

Mauss e Malinowski um como teórico e o outro como experimentador, mostraram o que pode ser a administração da prova nas ciências etnológicas. Que não é suficiente decompor e dissecar. Os fatos sociais não podem ser reduzidos a fragmentos esparsos, pois são vividos por homens e esta consciência subjetiva, bem como seus caracteres objetivos é uma forma de realidade. Um dizia que o essencial é o movimento todo, a síntese empírica e subjetiva; o outro exigia a participação do etnógrafo na vida e no pensamento dos indígenas.

p.16 Questão sujeito/objeto é necessário que a síntese decorra da experiência humana e é na intersecção de duas subjetividades que está a ordem de verdade mais próximas que as ciências humanas podem pretender quando defrontam a integralidade do seu objeto

Explicação: ciências humanas x ciências físicas

Mauss libera a antropologia dessa falsa oposição criada por Spengler e Dilthey: a procura das causas se extingue na assimilação de uma experiência, mas está, ao mesmo tempo, interna e externa. Considerar fatos sociais como coisas é primeiro procedimento, o segundo é averiguar a regra.

p.17 Originalidade da antropologia social

Ao invés de opor explicação causal e compreensão, ela descobre um objeto que seja, ao mesmo tempo, objetivamente longínquo e subjetivamente concreto, e cuja explicação causal possa se basear nesta compreensão que não é senão forma complementar de prova. Antropólogo constrói uma máquina através de um série de operações racionais, no entanto, é necessário que ela funcione, a certeza lógica não basta. Essa última satisfação empírica pode ser disponível através da possibilidade de viver a experiência íntima do outro.

p.18 O que é a antropologia social? Sistema de signos (aquilo que substitui alguma coisa para alguém) no interior da vida social. Ocupante do domínio da semiologia.

· alguns domínio da antropologia são também o de outras ciências particulares, mas estas estudam os fatos que estão mais próximos de nós

· tudo o que a antropologia estuda são signos? Porque a pergunta que nos fazemos quando estudamos outra sociedade é “o que tudo isso significa” e, para respondê-la tentamos traduzir lembrar de Winch em nossa língua regras primitivamente dadas em uma linguagem diferente. Mas e outros aspectos da realidade social como técnicas, modos de produção e consumo? Estes seriam objetos, e não signos.

Antropologia Cultura aparece então para distinguir essa parte dos estudos, porque os domínios acima citados estão impregnados de significação. Técnicas isoladamente são dado bruto, mas quando a situamos no inventário geral das sociedades, passam a ser equivalentes de escolhas que cada sociedade parece fazer entre as opções possíveis, cujo quadro será traçado.

p.19 Objeto é um signo no sentido em que, num determinado contexto, ele ocupa o lugar para o observador capaz de compreender-lhe o uso, da ferramenta diferente que uma outra sociedade empregaria para os mesmos fins.

Antropologia Social coloca a natureza simbólica do seu objeto porque o trata enquanto signo, mas nem por isso deixa de se afastar das realia. Isso ocorre porque se utiliza meios materiais (imagens, objetos, substâncias) para construir um símbolo (arte,deuses,rituais, regras sociais). Não há separação entre cultura material e cultura espiritual.

Homens se comunicam por meio de signos e símbolos, para a antropologia – que é conversa do homem com o homem – tudo são símbolo e signo que se colocam como intermediários entre dois sujeitos.

Radcliffe-Brown se afasta de Lévy-Strauss na medida em que pensava que a antropologia social seria uma ciência indutiva que observa fatos, formula hipóteses, submete-as ao controle da experiência, para descobrir as leis gerais da natureza e da sociedade. Para isso, meios e métodos da etnologia, que tenta reconstituir o passado, seriam muito precários para tal objetivo.

p.20 Deve-se imaginas a antropologia social não como ciências indutivas do século XIX , mas como uma sistemática cujo objetivo é identificar e repertoriar tipos, analisar suas partes constitutivas, estabelecer correlações. Sem este trabalho preliminar, o método comparativo preconizado por Radcliffe-Brown, incorre em estagnação.

p.21 É necessário abordarmos fatos históricos antes de procedermos a qualquer classificação ou comparação. Ignoraremos que as coordenadas necessárias para definir dois fenômenos aparentemente muito semelhantes, não são sempre as mesmas, nem de mesmo número. Não levar em conta a história significa contentar-se com uma sociologia onde fenômenos estão descolados de seu suporte.

Espinas formações desprovidas de raízes biológicas não possuem o mesmo coeficiente de realidade que as outras. Outras ciências, segundo Lévi-Strauss, podem estudar essas formações, mas é isso que as diferencia da antropologia social.

p.22 Continuidade cronológica e espacial entre a ordem da natureza e a ordem da cultura, que tanto Espinas quanto Boas insistiram. Pois, mesmo se os fenômenos sociais devam ser provisoriamente isolados do resto e tratado como se pertencessem a um nível específico, sabemos que a emergência da cultura permanecerá um mistério até que se saiba que determinações biológicas modificaram estrutura e funcionamento do cérebro. Destas transformações, a cultura representa simultaneamente resultado natural e modo social de apreensão.

p.22 Em antropologia a experimentação procede a observação e a hipótese – cada sociedade é uma experiência pronta e elas não são governáveis.

p.23 Alternância de ritmo entre dois métodos: dedutivo e indutivo. Alternância entre teoria e observação

Antropologia faz da subjetividade mais íntima um meio de demonstração objetiva: o mesmo espírito que se abandonou à experiência e deixou-se modelar por ela se torna teatro de operações mentais que não abolem as precedentes e, entretanto, transformam a experiência em modelo, possibilitando outras operações mentais.

p.24 Cours de Linguistique générale: oposição absoluta entre duas categorias de fatos – gramática, o sincrônico, o consciente e fonética, diacrônico, o inconsciente.

sincrônico – gramatical – coletivo – fala

diacrônico – fonético – individual – língua

Radcliffe-Brown e Saussure: estruturas são da ordem da observação empírica (entretanto, para Lévi-Strauss, ela se situa além). Conclusões opostas: um afirma a estrutura vendo-a onde ela não está e outro a nega se ela não for diretamente dada.

Antropologia: sincrônico pode ser tão inconsciente quanto o diacrônico, o que diminui a diferença entre dois planos

Marx: diacrônico também pode estar no coletivo

Freud: gramatical pode dar-se no interior do individual

p.25 Crítica Radcliffe-Brown e Cours: nenhum percebeu que a história dos sistemas de signos engloba evoluções lógicas, reportando-se a níveis de estruturação diferentes que é preciso isolar.

Sistema consciente resulta de “média dialética” entre uma multiplicidade de sistemas inconscientes, dos quais, a cada um concerne um aspecto ou um nível de realidade social.

Sistemas inconscientes não coincidem em sua estrutura lógica nem aderência histórica. Estão como que difratados sobre uma dimensão temporal cuja espessura dá à sincronia sua consistência. pq espessura temporal, me pergunto se tem a ver com o fato de que o tempo de que ele fala é duração, um acúmulo do passado no presente, por isso ele é espesso

Fatos da estrutura e fatos funcionais: diferença é apenas de grau. Estrutura está no porvir, se forma e decompõe incessantemente. Vida chegada a um grau de consolidação, mas não se pode, entretanto, querer separá-la da vida da qual ela deriva ou que ela determina.

O que nos incita a distinguir entre o que pertence à estrutura e o que pertence ao acontecimento é a natureza dos fatos

Noção de transformação e de estrutura relação estreita

p.26 Radcliffe-Brown e estrutura noção inspirada nas idéias de Spencer e Montesquieu. Maneira durável pela qual os indivíduos e os grupos estão ligados ao corpo social. Estrutura pertence à ordem do fato, dada na observação de cada sociedade particular

Crítica: não se pode mais aceitar estrutura como arranjo de algumas partes.

Condições de um arranjo que é estruturado:

· ser um sistema regido por coesão interna

· esta coesão, inacessível à observação do arranjo isolado, revela-se no estudos das transformações, graças às quais encontram-se propriedades similares em sistemas diferentes

Signos e símbolos não podem desempenhar seu papel senão na medida em que pertencem a sistemas regidos por leis internas de implicação e exclusão, e porque a característica de um sistema de símbolos é ser traduzível na linguagem de outro sistema com ajuda de substituições.

Proibição do incesto fundamento da sociedade humana na medida em que é essa a razão pela qual são fundados os primeiros grupos que se podem dizer verdadeiramente sociais: quando irmãs e filhas são projetadas para fora do grupo consangüíneo e atribuem-lhes maridos de outros grupos, e com seus grupos formam-se relações de aliança.

p.27 A descoberta dessa invariável não se deu por método indutivo. Mas sim através do estabelecimento do parentesco e das regras do casamento como sistema e na elaboração de um sistema dos sistemas para colocá-los perante uns aos outros numa relação de transformação. Sistema de parentesco e regras de casamento: enunciado impondo por todas as maneiras possíveis a instauração e a manutenção da reciprocidade.

p.28 Método: elaborar uma linguagem, cujo único mérito seria ser coerente como toda linguagem, e definir, por um pequeno número de regras, fenômenos tidos como diferentes

p.32 Problema da invariância ou universalidade da natureza humana

Crítica aos estruturalistas: que viram as costas para a natureza humana quando, ao tirar suas invariantes, substituem dados da experiência pode modelos sobre os quais se entregam a operações abstratas.

Resposta: estruturalistas só retomam programa de Durkheim e Mauss. O primeiro não excluía possibilidade de um terreno comum à psicologia individual e à sociologia, que competiriam ao terreno da lógica abstrata.

Lévy-Bruhl: estaria próximo do programa se não tivesse relegado as representações míticas à antecâmara da lógica e depois houvesse renunciado à noção de pensamento pré-lógico.

p.33 Mauss: permaneceu mais fiel ao pensamento de Durkheim procurando o que há de comum nos homens. Etnologia para ele, antes de tudo, um modo original de conhecimento do que uma fonte de conhecimentos particulares. Porque predileção por sociedades primitivas?

- atitude filosófica. pesquisa de campo é mãe e ama da dúvida. Etnologia tem método estritamente filosófico e por isso se distingue da sociologia. Enquanto uma objetiviza por medo de ser enganado, o antropólogo não sente esse medo, pois sociedade distante nada representa para ele.

p.34 perigo de se escolher sujeito e objeto radicalmente distantes: que conhecimento do objeto não atinja suas propriedades intrínsecas, mas que limite a posição relativa e extremamente cambiante do sujeito com relação a ele.

Como saber que o antropólogo não quer apenas interpretar sob novos moldes os costumes e instituições indígenas, para melhor enquadrá-las na teoria do momento? – Gosto pelo obsceno e pelo grotesco é como a doença infantil da ciência. Esse gosto leva a se constituírem teorias “para nós” e não “em si”.

p.35 Posição de observados nos traz garantias inesperadas de objetividade. Porque essas sociedades estão afastadas é que podemos nelas atingir “fatos de funcionamento geral” e que tem a vantagem de serem mais universais e de possuírem mais realidade. – observação privilegiada, porque distante.

p.36 Sociedades primitivas: parecem ter elaborado ou retido sabedoria particular, que as incita a resistir a qualquer modificação em sua estrutura, a preservar o seu ser. Além disso, possuem várias outras características econômicas, políticas e culturais que as tornam sociedades frias – porque seu meio interno está próximo a zero de temperatura histórica, possuem modo restrito e mecânico de funcionamento.

Sociedades após revolução neolítica: diferenciações entre castas e classes são solicitadas sem trégua, utilização de desvios diferenciais – sociedades quentes.

p.37 Distinção entre sociedades quentes e frias é sobretudo teórica. Além disso, nenhuma sociedade apresenta apenas um aspecto puro. Sobre as sociedades quentes é preciso dizer que, após a revolução neolítica, algumas sociedades utilizavam os desvios diferenciais entre homens – alguns dominantes, outro dominados – para produzir cultura num ritmo acelerado. A revolução mecânica do século XIX foi esboço impuro de solução distinta: tornou possível a transferência à cultura desta função dinâmica que a revolução proto-histórica havia reservado à sociedade.

“Passagem do governo do homem à administração das coisas” antecipa distinção antropológica entre cultura e sociedade. Passagem de um tipo de civilização que inaugurou uma evolução histórica ao preço da transformação dos homens em máquina, a uma civilização ideal que consistiria em transformar as máquinas em homens. Cultura passaria a fabricar o progresso e não mais seria necessário escravizar o homem. Sociedade então assumiria estrutura cristalina, regular, fora e acima das história, como as sociedades primitivas.

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