terça-feira, 1 de julho de 2008

Nietzsche. Obras Incompletas. Ed. Abril. Cap. Aurora, § 132


As últimas ressonâncias do cristianismo na moral. — (. . .) Talvez não haja
agora nenhum preconceito melhor acreditado do que este: que se sabe o que cons-
titui propriamente o moral. Parece agora que faz bem a todos ouvir dizer que a
sociedade está em vias de adaptar o indivíduo às necessidades gerais e que a felici-
dade e ao mesmo tempo o sacrifício do indivíduo consistem em sentir-se como um
membro e instrumento útil do todo: só que no presente ainda se oscila muito sobre
onde esse todo deve ser procurado, se em um Estado vigente ou a ser fundado, ou
na nação ou em uma irmandade de povos ou em novas pequenas comunidades

econômicas. Sobre isto há agora muita meditação, dúvida, combate, muita excita-
ção e paixão: mas admirável e melodiosa é a harmonia em exigir que o ego se
renegue até que. na forma da adaptação ao todo. receba também de volta seu
firme círculo de direitos e deveres — até que se tenha tornado algo inteiramente
novo e outro. Não se quer nada menos— quer se confesse ou não — do que uma
transformação radical, e mesmo enfraquecimento e supressão do indivíduo: não
se cansam de enumerar e acusar tudo que há de mau e hostil, de perdulário, de
dispendioso, de luxuoso, na forma que teve até agora a existência individual, espe-
ram dispor de uma economia mais barata, menos perigosa, mais equilibrada, mais
uniforme, quando só houver ainda grandes corpos e seus membros. Como bom é
sentido tudo aquilo que de algum modo corresponde a esse impulso formador de
corpo e membros e seus impulsos auxiliares — esta é a correnteza moral básica
em nossa época: sensibilidade simpática e sensibilidade social alternam agilmente
seus papéis. (Kant ainda está fora desse movimento: ensina expressamente que
temos de ser insensíveis ao sofrimento alheio para que nosso bem-fazer tenha
valor moral — o que Schopenhauer. muito desgostoso. como se pode compreen-
der, denomina a sensaboria kantiana.)

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