quarta-feira, 2 de julho de 2008

Cultura e Sociedade no Brasil. Nelson Coutinho.

p.41 Subordinação formal e subordinação real: ou como as idéias entram no lugar

Brasil emerge na época do predomínio do capital mercantil, na época da criação de um mercado mundial. Pré-história reside no processo de acumulação primitiva que tinha como centro a Europa. Objetivo central do colonialismo: extorquir valores de uso produzidos pelas economias não-capitalistas e transformá-los em valores de troca no mercado internacional.

p.42 Subordinação se dava no plano da circulação: subordinação formal mantinha intocado o modo de produção da colônia.

Particularidade Brasil: não havia no território uma formação econômico-social que fosse capaz de fornecer excedentes ao processo de circulação do capital mercantil colonialista. Era necessário criar um aparelho produtivo que se articulasse com o mercado mundial.

p.43 Elemento escravista fornece a marca determinante da formação econômico-social.

p.44 Interfere na produtividade do sistema, que se mantém estacionária (ao contrário do feudalismo). Sua marca está na estrutura de classe: criação de faixas médias marginalizadas pelo sistema que só podem se reproduzir através do favor dos poderosos.

Conseqüência cultural do fato de que pressupostos da formação econômico-social estivessem situados no exterior: penetração da cultura européia não encontrou obstáculos prévios, não existia cultura autóctone anterior à colonização que aparecesse como “nacional” em oposição ao “universal”

p.45 Classes fundamentais no Brasil encontram suas expressões ideológicas e culturais na Europa. Cultura universal era potencialmente interna e foi se tornando efetivamente interna à medida que era assimilada por uma classe ou bloco de classe ligada ao modo de produção.

p.46 Quando o pensamento brasileiro importa ideologia universal, isso prova que determinada classe encontrou nessa ideologia a expressão de seus interesses brasileiros de classe.

p.47 Como quase toda reprodução social, também a da dependência é uma reprodução ampliada, que implica a longo prazo transformações de qualidade. Ocorre progressiva conversão da dependência pela subordinação formal através da dependência da subordinação real; isso se da quando o próprio modo de produção interno, sob a ação combinada de fatores endógenos e exógenos, vai se tornando efetivamente capitalista e se subordinando não apenas ao capital mercantil e comercial, mas também e sobretudo ao capital industrial e financeiro internacionais. Essa conversão cria novas condições para a história cultural. Quanto mais passa a predominar a subordinação real, tanto mais vai desaparecendo aquele fenômeno que Roberto Schuwarz, em sua análise sobre a cultura brasileira do séc XIX chamou de “idéias fora do lugar.

p.48 Schuwarz – inadequação entre idéias e realidade: importação do liberalismo.

Interpretação Coutinho: dialética de adequação e inadequação. Liberalismo expressa interesses efetivos das camadas dominantes: livre cambismo, cálculo racional na comercialização, igualdade jurídico-formal. Mas, também expressa interesses dos homens livres e não proprietários, que viam assegurados pela ideologia liberal seus direitos formais à igualdade com os senhores e sua diferença em face dos escravos. Entretanto, diante do fenômenos da escravidão, da desigualdade estabelecida como fato natural, do trabalho fundado sobre a coerção extra econômica e não sobre a livre contratação, o liberalismo revela então sua face inadequada e “fora do lugar”. Além disso, não se pode falar em regulamentação liberal no relacionamento entre a classe dominante e os homens livres sem propriedade, pois o favor (vínculos de dependência pessoal pré-capitalista) marca esse relacionamento autoritário e antiliberal.

p.49 Crítica à Schuwarz dialética da adequação inadequação altera-se com a passagem à subordinação real. Com a transição do modo de produção interno à fase propriamente capitalista, as idéias importadas vão cada vez mais entrando em seu lugar, tornando-se mais aderentes às realidades e aos interesses de classe que tentam expressar. As contradições ideológicas que marcam a vida cultural brasileira do século XX aproximam-se cada vez mais às contradições próprias da cultura universal do período.

p.50 Os efeitos da via prussiana sobre a intelectualidade brasileira

Articulação entre as classes e o poder político que foi característica da evolução histórica do Brasil. O processo de modernização econômico-social seguiu uma “via prussiana” ou uma “revolução passiva”.

· transformações não resultaram de autênticas revoluções, de movimentos provenientes de baixo para cima, mas se processaram através da conciliação entre grupos opositores economicamente dominantes, por reformas “pelo alto”

· expressão central na questão da passagem para o capitalismo, no modo de adequar a estrutura agrária às necessidades do capital

p.51 Brasil todas as alternativas concretas vividas pelo país ligadas a essa transição (independência, abolição, república, modificação do bloco do poder em 1930 e 1937, passagem para novo patamar de acumulação-1964), encontraram uma resposta à prussiana.

Transição do Brasil para o capitalismo não se deu apenas no quadro da reprodução ampliada da dependência (passagem da subordinação formal à real), mas se processou também segundo o modelo de modernização conservadora prussiana.

p.52 Consequência da “via prussiana” no plano da cultura

· fortalecimento da “sociedade política” (aparelhos burocráticos e militares que exercem a dominação através do governo) em detrimento da “sociedade civil” (conjunto de aparelhos ideológicos através dos quais uma classe luta pela hegemonia ou pela capacidade de dirigir o conjunto da sociedade). Isso ocorreu porque o instrumento e o local de conciliação de classes foi sempre o Estado.

Modelo de evolução sobredeterminou o modo de relacionamento clássico entre intelectuais e classes sociais.

p.53 debilidade da sociedade civil

· minimizou papéis essenciais da cultura – o de expressar consciência social das classes em choque e de organizar hegemonia ideológica de uma classe. Cultura brasileira tornou-se ornamental já que tinha como médium que é a sociedade civil.

· isolamento dos grupos populares do processo político através da cooptação das camadas médias pelas classes dominantes, tanto pelas vias do favor na época da escravidão, como pelo recrutamento da burocracia civil e militar a partir do segundo império e a criação de um setor privilegiado de tecnocratas dotados de alto poder de consumo.

O escasso peso dos aparelhos privados de hegemonia e dos partidos políticos de massa na formação social brasileira condenou os intelectuais que se recusavam a cooptação à marginalidade no plano cultural.

p.54 Conj de pressupostos prepara intimismo à sombra do poder que liga-se ao problema da ornamentalidade da cultura. Não obriga intelectual a posicionar-se de maneira apologética com relação ao existente, mas a optar por formulações neutras, socialmente assépticas, não pondo em discussão os fundamentos daquele poder.

p.55 Obras de arte são apologéticas no sentido mediatizado que Lukács – partindo da idéias de que não existe ideologia socialmente inocente – resumiu na expressão “apologia indireta”do existente. Afastam da ótica da arte ou da ciência social as contradições concretas da realidade, transformam o inessencial em essencial, obscurecendo uma justa consciência dos problemas efetivos do povo-nação.

p.56 Elitismo antipopular aparece em pensadores autoritários de direito e também no pensamento liberal tornando-o acentuadamente moderado e conservador. Liberal defende a mudança, valendo-se de ideologias progressistas, mas recusa as conseqüências últimas do progresso, por temor à anarquia, caos, “forças populares imaturas”. (tendência ao ecletismo – conciliação ideológica)

p.57 Até intelectuais progressistas apresentam tais tendências ao ecletismo.

p.58 Tendências ao confusionismo ideológico não resultam simplesmente de escolha objetiva, mas sim de condicionamentos objetivos de nossa formação histórica.

Cura não é apenas questão de disposição pessoal dos intelectuais, mas passa pela orgânica integração dos intelectuais com a luta de classes subalternas para se afirmarem como sujeitos efetivos de nossa evolução social e política.

p.59 O nacional-popular como alternativa à cultura intimista

Determinações essenciais do nacional popular enquanto tendência alternativa no seio da cultura brasileira. Aparece como oposição democrática às várias configurações concretas assumidas pela ideologia prussiana.

p.60 Nacional-popular (pelo lado negativo) quebra do distanciamento entre os intelectuais e o povo, distanciamento que está na raiz do florescimento da cultura intimista ou do elitismo cultural. Ele não pode ser entendido com algo oposto ao universal, como simples afirmação de nossas pretensas raízes autônomas, já que a cultua brasileira vincula-se organicamente ao patrimônio cultural universal. Só há cosmopolitismo abstrato/alienado quando importação cultural não tem como objetivo responder a questões colocadas pela própria realidade brasileira e visa tão somente satisfazer círculo de intelectuais intimistas.

p.61 Nacional popular não se confunde com fechamento provinciano e popularesco diante das conquistas progressistas da cultura mundial. Esse “nacionalismo cultural”expressam empobrecimento da expressão estética e na limitação das potencialidades críticas da consciência ideológica das forças populares = ideologia retrógrada, manifestação ideológica da via prussiana antipopular.

p.63 Método do realismo crítico unifica (a posteriori) na diversidade as várias expressões concretas do nacional popular no terreno estético (algo tendencial, estabelecido post festum)

p.64 Nacional popular não dev ser confundido com a imposição de um temática predeterminada. Se manifesta no ângulo de abordagem, ponto de vista a partir do qual o criador estrutura sua obra.

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