Fichamentos

quarta-feira, 2 de julho de 2008

SCHWARZ I - AS IDÉIAS FORA DO LUGAR

SCHWARZ, Roberto. "As idéias fora do lugar". In: Ao Vencedor as batatas.
Lançado em 1977


O autor contrariando a noção de que para enteder uma obra é necessário tecer um panoramo do momento histórico em que ela foi escrita, constroi "uma espécie de chão histórico, analisado, da experiência intelectual." Seu interesse é analisar a obra de Machado de Assis e portanto se reporta para o Brasil do Segundo Reinado. Aborda questões como idéias do liberalismo, escravidão e a lógica do favor.

p.13 - Escravidão vs liberalismo europeu.
Argumento liberal do período de Machado de Assis "põe fora o Brasil do sitema de ciência." "Outros autores naturalmente fizeram o raciocínio inverso. Uma vez que não se referem à nossa realidade, ciência econômica e demais ideologias liberais é que são, elas sim, abomináveis, impolíticas e estrangeiras, além de vulneráveis."
p.14 - Comédia Ideológica. "É claro que a liberdade de trabalho, a igualdade perante a lei, e, de modo geral, o universalismo eram
ideologia na Europa também; mas lá correspondiam às aparências, encobrindo o essencial - a exploração do trabalho. Entre nós, as mesmas idéias seriam falsas num sentido diverso, por assim dizer, original." Sérgio Buarque: 'Trazendo de países distantes nossas formas de vida, nossas instituições e nossa visão do mundo e timbrando em manter tudo isso em ambiente muitas vezes desfavorável e hostil, somos uns desterrados em nossa terra'.
- Panorama da colonização. "Éramos um país agrário e independente, dividido em latifúndios, cuja
produção dependia do trabalho escravo por um lado, e por outro do mercado externo." "Era inevitável, por exemplo, a presença entre nós do raciocínio econômico burguês - a prioridade do lucro, com seus corolários sociais - uma vez que dominava no comércio internacional, para onde a nossa economia era voltada." "Por outro lado, com igual fatalidade, este conjunto ideológico iria chocar-se contra a escravidão e seus defensores, e o que é mais, viver com eles."
p.15 - "O
latifúndio escravista havia sido na origem um empreendimento do capital comercial, e que portanto o lucro fora desde sempre o seu pivô. Ora, o lucro, como prioridade subjetiva é comum às formas antiquadas do capital e às mais modernas. De sorte que os incultos e abomináveis escravistas até certa data (...) foram no essencial capitalistas mais consequentes do que nossos defensores de Adam Smith, que no capitalismo achavam antes que tudo a liberdade."
- "Por sua mera presença,
a escravidão indicava a impropriedade das idéias liberais; o que entretanto é menos que orientar-lhes o movimento. Sendo embora a relação produtiva fundamental, a escravidão não era o nexo efetivo da vida idológica."
p.16 - O favor. "Esquematizando, pode-se dizer que a colonização produziu, com base no
monopólio da terra, três classes de população: o latifundiário, o escravo e o 'homem livre', na verdade dependente." Interessa-se pelo estudo da multidão desde último: "Nem proprietários nem proletários, seu acesso à vida social e a seus bens depende materialmente do favor, indireto ou direto, de um grande. O agregado é a sua caricatura. O favor, é portanto, o mecanismo através do qual se reproduz uma das grandes classes da sociedade, envolvendo também outra, a dos que têm." "Assim, com mil formas e nomes, o favor atravessou e afetou no conjunto a existência nacional, ressalvada sempre a relação produtiva de base, esta assegurada pela força." Estudos mostram que a lógica do favor permeou por longo tempo as relações com a escravaria que sempre esteve entre benefícios e violência. Fato que muda a partir da metade do XIX em que a escassa mão-de-obra obriga os senhores, atrás de produtividade a usar mais da força, concedendo menos privilégios. Ver curso de Brasil Independente I, Prof. Monica Dantas, 2008/1. Esteve presente em toda parte, desde as atividades afins dele como as ditas profissões liberais. "O favor é a nossa mediação universal(...) é compreensível que os escritores tenham baseado nele a sua interpretação do Brasil, involuntariamente disfarçando a violência, que sempre reinou na esfera da produção."
- Favor é tão incompatível com as idéias liberais quanto a escravidão mas no brasil se encontram.
Civilização burguesa: autonomia da pessoa, a universalidade da lei, a cultura desinteressada, a remuneração objetiva, a ética do trabalho. Favor: dependência da pessoa, exceção à regra, a cultura interessada, remuneração e serviços pessoais. "Não somos feudais, a colonização é um feito do capitalismo comercial."
p.17 - "Adotadas as idéias e as razões européias, elas podiam servir e muitas vezes serviram de justificação, nominalmente 'objetiva, para o momento de arbítrio que é da natureza do favor. Sem prejuízo de existir, o antagonismo se desfaz em fumaça e os incompatíveis saem de mãos dadas." "
De ideologia que havia sido - isto é, engano involuntário e bem fundado nas aparências - o liberalismo passa, na falta de outro termo, a penhor intencional duma variedade de prestígios com que nada tem a ver. Ao legitimar o arbítrio por meio de alguma razão 'racional', o favorecido conscientemente engrandece a si e ao seu benfeitor, que por sua vez não vê, nessa era de hegemonia das razões, motivo para desmenti-lo." "Nesse contexto, portanto, as ideologias não descrevem sequer falsamente a realidade, e não gravitam segunda uma lei que lhes seja própria - por isso as chamamos de segundo grau." "Deriva sossegadamente do óbvio, sabido de todos - da inevitável 'superioridade' da Europa - e liga-se ao momento expressivo, de auto-estima e fantasia, que existe no favor." Valores da burguesia se tornam ornamento e marca de fidalguia: "atestam e festejam a participação numa esfera augusta, no caso a da Europa que se... industrializa." "Para manter-se precisa de cumplicidade permanente, cumplicidade que a prática do favor tende a garantir. No momento da prestação e da contraprestação - particularmente no instante-chave do reconhecimento recíproco - a nenhuma das partes interessa denunciar a outra, tendo embora a todo instante os elementos necessários para fazê-lo". "O favor assegurava às duas partes, em especial à mais fraca, de que nenhuma é escrava."
p.19 - "As idéias da burguesia, a princípio voltadas contra o privilégio, a partir de 1848 se haviam tornado apologética: a vaga das lutas sociais na Europa mostrara que a universalidade disfarça antagonismos de classe. Portanto, para bem lhe reter o timbre ideológico é preciso considerar que o nosso discurso impróprio era oco também quando usado propriamente. "

p.20 - Contrastes se encontram. Assim, posto de parte o raciocínio sobre as causas, resta na experiência aquele 'desconcerto' que foi o nosso ponto de partida: a sensação que o Brasil dá de dualismo e factício - constrastes rebarbativos, desproporções, disparates, anacronismos, contradições, conciliações e o que for - combinações que o Modernismo, o Tropicalismo e a Economia Política nos ensinaram a considerar."
p.21 - Na vida cultural. Combinação desses contrastes nas revistas, nos jornais, na arquitetura, nos costumes
.
Quincas Borba: "Desse modo, os estratos sociais que mais benefícios tiravam de um sistema econômico baseado na escravidão e destinado exclusivamente à produção agrícola procuravam criar, para seu uso, artificialmente, ambientes com características urbanas e européias, cuja operação exigia o afastamento dos escravos e onde tudo ou quase tudo era produto de importação." Sylvio Romero: "É mister fundar uma naçionalidade consciente de seus méritos e defeitos, de sua força e de seus delíquios, e não arrumar um pastiche, um arremedo de judas das festas populares que só serve para vergonha nossa aos olhos do esntrangeiro (...) Só um remédio existe para tamanho desideratum: - mergulharmo-nos na corrente vivificante das idéias naturalistas e monísticas, que vão transformando o velho mundo." Troca de um arremedo por outro: "assinala quanto era alheia a linguagem na qual se expressava, inevitavelmente, o nosso desejo de autenticidade." "Tanto a eternidade das relações sociais de base quanto a lepidez ideológica das 'elites' eram parte - a parte que nos toca - da gravitação deste sistema por assim dizer solar, e certamente internacional, que é o capitalismo. Em consequência, um latifúndio pouco modificado viu passarem as maneiras barroca, neoclássica, romântica, naturalista, modernista e outras que na Europa acompanharam e refletiram transformações imensas na ordem social. Seria de supor que aqui perdessem a justeza, o que em parte se deu. No entanto, vimos que é inevitável este desajuste, ao qual estávamos condenados pela máquina do colonialismo, e ao qual, poara que já fique indicado o seu alcance mais nacional, estava condenada a mesma máquina quando nos produzia."
p.22 - Brasil dos deslocamentos. No campo das artes essa situação não se mostra tão problemática. "Em resumo,
as idéias liberais não se podiam praticar, sendo ao mesmo tempo indescartáveis." "Vimos o Brasil, bastião da escravatura, envergonhado diante delas - as idéias mais adiantadas do planeta, ou quase, pois o socialismo já vinha à ordem do dia - e rancoroso, pois não serviam para nada. Mas eram adotadas também com orgulho, de forma ornamental, como prova de modernidade e distnção." "Conhecer o Brasil era saber destes deslocamentos, vividos e praticados por todos como uma espécie de fatalidade, para os quais, entretanto, não havia nome, pois a utilização imprópria dos nomes era a sua natureza." "Contudo facilitava o ceticismo em face das ideologias, por vezes bem completo e descansado, e compatível aliás com muito verbalismo." "Ora, o fundamento deste ceticismo não está seguramente na exploração refletida dos limites do pensamento liberal. Está, se podemos dizer assim, no ponto de partida intuitivo, que nos dispensava do esforço." As idéias liberais "se eram aceitas, eram-no por razões que elas próprias não podiam aceitar."
p.23 -
Falar do Brasil é falar do mundo. Está-se vendo que este chão social é de consequência para a história da cultura: uma gravitação complexa, em que volta e meia se repete uma constelação na qual a ideologia hegemônica do Ocidente faz figura derrisória, de mania entre manias." Aponta semelhanças do que ocorre no Brasil com o que ocorre na literatura russa. "Na exarcebação deste confronto, em que o progresso é uma desgraça e o atraso uma vergonha, está uma das raízes profundas da literatura russa." "Em suma, a própria desqualificaçao do pensamento entre nós, que tão amargamente sentíamos, e que ainda hoje asfixia o estudioso do nosso século XIX, era uma ponta, um ponto nevrálgico por onde passa e se revela a história mundial."
p.24 - "Ao longo de sua
reprodução social, incansavelmente, o Brasil põe e repõe idéias européias, sempre em sentido impróprio." Nega a noção de panorama para entendimento da obra de um autor, no caso Machado de Assis. Tentei "especificar um mecanismo social, na forma em que ele se torna elemento interno e ativo da cultura." "Noutras palavras, uma espécie de chão histórico, analisado, da experiência intelectual." "Em suma, para analisar uma originalidade nacional, sensível no dia-a-dia, fomos levados a refletir sobre o processo da colonização em seu conjunto, que é internacional." "Ora, a gravitação cotidiana das idéias e das perscpectivas práticas é a matéria imediata e natural da literatura, desde o momento em que as formas fixas tenham perdido a sua vigência para as artes." "Noutras palavras, definimos um campo vasto e heterogêneo, mas estruturado, que é resultado histórico, e pode ser origem artística. Ao estudá-lo, vimos que difere do europeu, usando embora o seu vocabulário. Portanto a própria diferença, a comparação e a distância fazem parte de sua definição. Trata-se de uma difenreça interna - o descentramento de que tanto falamos - em que as razões nos aparecem ora nossas, ora alheias, a uma luz ambígua, de efeito incerto." "E vê-se, variando-se ainda uma vez o mesmo tema, que embora lidando com o modesto tic-tac de nosso dia-a-dia, e sentado à escrivaninha num ponto qualquer do Brasil, o nosso romancista sempre teve como matéria, que ordena como pode, questões da história mundial; e que nãs as trata, se as tratar diretamente."

SCHWARZ, Roberto - As Idéias fora do lugar (Schwarz I)

 SCHWARZ I - AS IDÉIAS FORA DO LUGAR

SCHWARZ, Roberto. "As idéias fora do lugar". In: Ao Vencedor as batatas.
Lançado em 1977


O autor contrariando a noção de que para enteder uma obra é necessário tecer um panoramo do momento histórico em que ela foi escrita, constroi "uma espécie de chão histórico, analisado, da experiência intelectual." Seu interesse é analisar a obra de Machado de Assis e portanto se reporta para o Brasil do Segundo Reinado. Aborda questões como idéias do liberalismo, escravidão e a lógica do favor.

    p.13 - Escravidão vs liberalismo europeu. 
Argumento liberal do período de Machado de Assis "põe fora o Brasil do sitema de ciência." "Outros autores naturalmente fizeram o raciocínio inverso. Uma vez que não se referem à nossa realidade, ciência econômica e demais ideologias liberais é que são, elas sim, abomináveis, impolíticas e estrangeiras, além de vulneráveis."
    p.14 - Comédia Ideológica. "É claro que a liberdade de trabalho, a igualdade perante a lei, e, de modo geral, o universalismo eram 
ideologia na Europa também; mas lá correspondiam às aparências, encobrindo o essencial - a exploração do trabalho. Entre nós, as mesmas idéias seriam falsas num sentido diverso, por assim dizer, original." Sérgio Buarque: 'Trazendo de países distantes nossas formas de vida, nossas instituições e nossa visão do mundo e timbrando em manter tudo isso em ambiente muitas vezes desfavorável e hostil, somos uns desterrados em nossa terra'.
            - Panorama da colonização. "Éramos um país agrário e independente, dividido em latifúndios, cuja 
produção dependia do trabalho escravo por um lado, e por outro do mercado externo." "Era inevitável, por exemplo, a presença entre nós do raciocínio econômico burguês - a prioridade do lucro, com seus corolários sociais - uma vez que dominava no comércio internacional, para onde a nossa economia era voltada." "Por outro lado, com igual fatalidade, este conjunto ideológico iria chocar-se contra a escravidão e seus defensores, e o que é mais, viver com eles."
    p.15 "O
latifúndio escravista havia sido na origem um empreendimento do capital comercial, e que portanto o lucro fora desde sempre o seu pivô. Ora, o lucro, como prioridade subjetiva é comum às formas antiquadas do capital e às mais modernas. De sorte que os incultos e abomináveis escravistas até certa data (...) foram no essencial capitalistas mais consequentes do que nossos defensores de Adam Smith, que no capitalismo achavam antes que tudo a liberdade."
            - "Por sua mera presença, 
a escravidão indicava a impropriedade das idéias liberais; o que entretanto é menos que orientar-lhes o movimento. Sendo embora a relação produtiva fundamental, a escravidão não era o nexo efetivo da vida idológica."
    p.16 - O favor. "Esquematizando, pode-se dizer que a colonização produziu, com base no 
monopólio da terra, três classes de população: o latifundiário, o escravo e o 'homem livre', na verdade dependente." Interessa-se pelo estudo da multidão desde último: "Nem proprietários nem proletários, seu acesso à vida social e a seus bens depende materialmente do favor, indireto ou direto, de um grande. O agregado é a sua caricatura. O favor, é portanto, o mecanismo através do qual se reproduz uma das grandes classes da sociedade, envolvendo também outra, a dos que têm." "Assim, com mil formas e nomes, o favor atravessou e afetou no conjunto a existência nacional, ressalvada sempre a relação produtiva de base, esta assegurada pela força." Estudos mostram que a lógica do favor permeou por longo tempo as relações com a escravaria que sempre esteve entre benefícios e violência. Fato que muda a partir da metade do XIX em que a escassa mão-de-obra obriga os senhores, atrás de produtividade a usar mais da força, concedendo menos privilégios. Ver curso de Brasil Independente I, Prof. Monica Dantas, 2008/1. Esteve presente em toda parte, desde as atividades afins dele como as ditas profissões liberais. "O favor é a nossa mediação universal(...) é compreensível que os escritores tenham baseado nele a sua interpretação do Brasil, involuntariamente disfarçando a violência, que sempre reinou na esfera da produção."
            - Favor é tão incompatível com as idéias liberais quanto a escravidão mas no brasil se encontram. 
Civilização burguesa: autonomia da pessoa, a universalidade da lei, a cultura desinteressada, a remuneração objetiva, a ética do trabalho. Favor: dependência da pessoa, exceção à regra, a cultura interessada, remuneração e serviços pessoais. "Não somos feudais, a colonização é um feito do capitalismo comercial."
    p.17 - "Adotadas as idéias e as razões européias, elas podiam servir e muitas vezes serviram de justificação, nominalmente 'objetiva, para o momento de arbítrio que é da natureza do favor. Sem prejuízo de existir, o antagonismo se desfaz em fumaça e os incompatíveis saem de mãos dadas." "De ideologia que havia sido - isto é, engano involuntário e bem fundado nas aparências - o liberalismo passa, na falta de outro termo, a penhor intencional duma variedade de prestígios com que nada tem a ver. Ao legitimar o arbítrio por meio de alguma razão 'racional', o favorecido conscientemente engrandece a si e ao seu benfeitor, que por sua vez não vê, nessa era de hegemonia das razões, motivo para desmenti-lo." "Nesse contexto, portanto, as ideologias não descrevem sequer falsamente a realidade, e não gravitam segunda uma lei que lhes seja própria - por isso as chamamos de segundo grau."
"Deriva sossegadamente do óbvio, sabido de todos - da inevitável 'superioridade' da Europa - e liga-se ao momento expressivo, de auto-estima e fantasia, que existe no favor." Valores da burguesia se tornam ornamento e marca de fidalguia: "atestam e festejam a participação numa esfera augusta, no caso a da Europa que se... industrializa." "Para manter-se precisa de cumplicidade permanente, cumplicidade que a prática do favor tende a garantir. No momento da prestação e da contraprestação - particularmente no instante-chave do reconhecimento recíproco - a nenhuma das partes interessa denunciar a outra, tendo embora a todo instante os elementos necessários para fazê-lo". "O favor assegurava às duas partes, em especial à mais fraca, de que nenhuma é escrava."
    p.19 - "As idéias da burguesia, a princípio voltadas contra o privilégio, a partir de 1848 se haviam tornado apologética: a vaga das lutas sociais na Europa mostrara que a universalidade disfarça antagonismos de classe. Portanto, para bem lhe reter o timbre ideológico é preciso considerar que o nosso discurso impróprio era oco também quando usado propriamente. "

    p.20 - Contrastes se encontram. Assim, posto de parte o raciocínio sobre as causas, resta na experiência aquele 'desconcerto' que foi o nosso ponto de partida: a sensação que o Brasil dá de dualismo e factício - constrastes rebarbativos, desproporções, disparates, anacronismos, contradições, conciliações e o que for - combinações que o Modernismo, o Tropicalismo e a Economia Política nos ensinaram a considerar."
    p.21 - Combinação desses contrastes nas revistas, nos jornais, na arquitetura, nos costumes
.
Quincas Borba: "Desse modo, os estratos sociais que mais benefícios tiravam de um sistema econômico baseado na escravidão e destinado exclusivamente à produção agrícola procuravam criar, para seu uso, artificialmente, ambientes com características urbanas e européias, cuja operação exigia o afastamento dos escravos e onde tudo ou quase tudo era produto de importação." Sylvio Romero: "É mister fundar uma naçionalidade consciente de seus méritos e defeitos, de sua força e de seus delíquios, e não arrumar um pastiche, um arremedo de judas das festas populares que só serve para vergonha nossa aos olhos do esntrangeiro (...) Só um remédio existe para tamanho desideratum: - mergulharmo-nos na corrente vivificante das idéias naturalistas e monísticas, que vão transformando o velho mundo." Troca de um arremedo por outro: "assinala quanto era alheia a linguagem na qual se expressava, inevitavelmente, o nosso desejo de autenticidade." "Tanto a eternidade das relações sociais debase quanto a lepidez ideológica das 'elites' eram parte - a parte que nos toca - da gravitação deste sistema por assim dizer solar, e certamente internacional, que é o capitalismo. Em consequência, um latifúndio pouco modificado viu passarem as maneiras barroca, neoclássica, romântica, naturalista, modernista e outras que na Europa acompanharam e refletiram transformações imensas na ordem social. Seria de supor que aqui perdessem a justeza, o que em parte se deu. No entanto, vimos que é inevitável este desajuste, ao qual estávamos condenados pela máquina do colonialismo, e ao qual, poara que já fique indicado o seu alcance mais nacional, estava condenada a mesma máquina quando nos produzia."
    p.22 - No campo das artes essa situação não se mostra tão problemática." "Em resumo, as idéias liberais não se podiam praticar, sendo ao mesmo tempo indescartáveis." "Vimos o Brasil, bastião da escravatura, envergonhado diante delas - as idéias mais adiantadas do plante, ou quase, pois o socialismo já vinha à ordem do dia - e rancoroso, pois não serviam para nada. Mas eram adotadas também com orgulho, de forma ornamental, como prova de modernidade e distnção."
"Conhecer o Brasil era saber destes deslocamentos, vividos e praticados por todos como uma espécie de fatalidade, para os quais, entretanto, não havia nome, pois a utilização imprópria dos nomes era a sua natureza." "Contudo facilitava o ceticismo em face das ideologias, por vezes bem completo e descansado, e compatível aliás com muito verbalismo." "Ora, o fundamento deste ceticismo não está seguramente na exploração refletida dos limites do pensamento liberal. Está, se podemos dizer assim, no ponto de partida intuitivo, que nos dispensava do esforço." As idéias liberais "se eram aceitas, eram-no por razões que elas próprias não podiam aceitar."
    p.23 - Está-se vendo que este chão social é de consequência para a história da cultura: uma gravitação colmplexa, em que volta e meia se repete uma constelação na qual a ideologia hegemônica do Ocidente faz figura derrisória, de mania entre manias." Aponta semelhanças do que ocorre no Brasil com o que ocorre na literatura russa. "Na exarcebação deste confronto, em que o progresso é uma desgraça e o atraso uma vergonha, está uma das raízes profundas da literatura russa." "Em suma, a própria desqualificaçao do pensamento entre nós, que tão amargamente sentíamos, e que ainda hoje asfixia o estudioso do nosso século XIX, era uma ponta, um ponto nevrálgico por onde passa e se revela a história mundial."
    p.24 - "Ao longo de sua reprodução social, incansavelmente, o Brasil põe e repõe idéias européias, sempre em sentido impróprio." Nega a noção de panorama para entendimento da obra de um autor, no caso Machado de Assis. Tentei "especificar um mecanismo social, na forma em que ele se torna elemento interno e ativo da cultura." "Noutras palavras, uma espécie de chão histórico, analisado, da experiência intelectual." "Em suma, para analisar uma originalidade nacional, sensível no dia-a-dia, fomos levados a refletir sobre o processo da colonização em seu conjunto, que é internacional." "Ora, a gravitação cotidiana das idéias e das perscpectivas práticas é a matéria imediata e natural da literatura, desde o momento em que as formas fixas tenham perdido a sua vigência para as artes."  "Noutras palavras, definimos um campo vasto e heterogêneo, mas estruturado, que é resultado histórico, e pode ser origem artística. Ao estudá-lo, vimos que difere do europeu, usando embora o seu vocabulário. Portanto a própria diferença, a comparação e a distância fazem parte de sua definição. Trata-se de uma difenreça interna - o descentramento de que tanto falamos - em que as razões nos aparecem ora nossas, ora alheias, a uma luz ambígua, de efeito incerto." "E vê-se, variando-se ainda uma vez o mesmo tema, que embora lidando com o modesto tic-tac de nosso dia-a-dia, e sentado à escrivaninha num ponto qualquer do Brasil, o nosso romancista sempre teve como matéria, que ordena como pode, questões da história mundial; e que nãs as trata, se as tratar diretamente."

Os intelectuais e a organização da cultura. Cultura e Sociedade no Brasil. Nelson Coutinho. 1980

p.15 Gramsci – ampliação da teoria marxista clássica do estado. Com a intensificação dos processos de socialização da política, com a estandartização dos comportamentos humanos gerados pela pressão do desenvolvimentos capitalista...

p.16 ... surge uma esfera social, dotada de leis e funções relativamente autonomas e especificas, e de uma dimensão material própria: a sociedade civil. Novidade terminológica com relação a Marx e Engels (sociedade civil = relações de produção econômicas), retomando Hegel (introduz na sociedade civil as corporações, associações político econômicas, que, de certo modo, podem ser vistas como formas primitivas dos modernos sindicatos.

Gramsci o Estado – mecanismos de poder – não se limita mais aos institutos dominação direta, aos mecanismos de coerção ( Estado em sentido estrito, sociedade política, e que ele identifica com o governo: burocracia executiva, aparelhos policial-militares, organismos repressivos em geral). Ao lado deles, emerge a sociedade civil.

Sociedade Civil através delas ocorrem relações sociais de direção político ideológica, de hegemonia, que completam a dominação estatal, a coerção, assegurando também o consenso dos dominados.

p.17 Althusser e Gramsci. aparelhos ideológicos de estado x aparelhos privados de hegemonia (organismos da sociedade civil). Chave da diferença é a revolução democrático burguesa e consequente laicização do estado. Instancias ideológicas de legitimação passam a ser algo privado em relação ao publico.

p.18 Sociedade civil campo dos aparelhos privados de hegemonia, espaço de luta pelo consenso, pela direção político-ideológica.

· função própria: garantir (ou contestar) a legitimidade de uma formação social e de seu Estado, os quais não tem mais legitimidade em si mesmos, carecendo do consenso da sociedade civil para se legitimarem.

· materialidade social própria: conjunto de organismos e objetivações sociais, diferentes tanto das objetivações da esfera econômica quanto das objetivações do Estado strictu sensu.

Entre o Estado que diz representar o interesse público e os indivíduos atomizados no mundo da produção, surge uma esfera pluralista de organizações, sujeitos coletivos, em luta ou em aliança entre si.

Quando sociedade civil surge e quando ela não está totalitariamente subordinada a um Estado DESPÓTICO, PODEMOS DIZER QUE A SOCIEDADE PASSOU DE SEU período meramente liberal para um período liberal-democrático.

p.19 Para Gramsci, organização da cultura já não é algo diretamente subrdinado ao Estado, mas resulta da própria trama complexa e pluralista da sociedade civil. É também momento necessário da articulação e afirmação da própria sociedade civil. Intelectuais podem se organizar com essa esfera de organismos privados, exercendo suas atividades através e no seio dessas formas autônomas de criação e difusão da cultura.

Intelectual orgânico com a emergência da sociedade civil e da organização cultural, os intelectuais ligam-se predominantemente às suas classes de origem ou de adoção através da mediação representada pelos aparelhos privados de hegemonia. Intelectual já não é funcionário direto do estado, nem tampouco intelectual sem vínculos que julga comprometer apenas a si mesmo. Tem maior consciência do vinculo indissolúvel entre sua função e as contradições concretas da sociedade.

p.20 Organização da cultura ;e o sistema das instituições da sociedade civil cuja função dominante é concretizar o papel da cultura na reprodução ou na transformação da sociedade como um todo.

p.21 Brasil conhece uma trajetória que leva de uma situação de completa debilidade ou mesmo ausência da sociedade civil até outra situação, a presente, caracterizada por uma sociedade civil mais ativa, mais complexa, mais articulada – expressão do progressivo ingresso na era do capitalismo industrial.

p.22 Brasil colonial sociedade pré-capitalista (ainda que articulada com capitalismo através do mercado mundial) – completa inexistência de uma sociedade civil. Sem parlamento, partidos, sistema de educação para além da catequese. Organização da cultura era tosca e primitiva. Intelectuais ligados ao Estado.

Independência necessidade de elaborar camada de intelectuais capazes de servir ao novo Estado. Isso impôs a criação de instituições de ensino superior na própria ex-colonia. Surge também um incipiente mercado cultural e sistema de organização da cultura: publicam-se jornais, editam-se livros, montam-se peças de teatro.

Regima escravista, ainda que importasse cultura e instituições do capitalismo liberal.

Conseqüências para situação do intelecutual: escravismo cria vazio entre as duas classes fundamentais da sociedade brasileira

· escravos desorganizados e carentes de projeto político não podem absorver intelectuais orgânicos.

· latifundiários escravocratas que necessitavam dos intelectuais como mão de obra qualificada para atividades administrativas do estado

p. 23 A mais escolhida era cooptação pelas classes dominantes que assumiam frequentemente o traço de favor pessoal, disfarçado pelo status relativamente elevado atribuído à condição de intelectual

p.24 Posse da cultura era um meio de distinção para homens livres mas não proprietários, que não queriam se dedicar ao trabalho efetivo, já que o trabalho era marcado pelo estigma da condição escrava, nesse traço residia o status elevado do intelectual. Esse status ao mesmo tempo em que servia de disfarce para a posição dependente do intelectual, acentuava o caráter ornamental da cultura dominante.

p.25 Caracteristica central da cultura que nasce no solo da cooptação: promove uma apologia indireta do existente, que justifica a estrutura social não mediante a sua defesa, mas mediante a mistificação ou cultamento ou mediante a afirmação de que ela é imutável e que devemos nos resignar com ela (romantismo e naturalismo)

Primeira República tb fruto de mudança pelo alta, pouco mais que um golpe militar, massas continuavam desorganizadas. Instituições criadas não serviam para fortalecer a sociedade civil. Vida intelectual restrita a poucos setores da classe media, cultura ornamental.

p.26 Anos 20 sec XX sociedade brasileira vai se tornando mais complexa, capitalismo vai se tornando modo de produção dominante tb nas relações internas. Começa a surgir classe operária, esboços de industrialização, imigração/ bloco social contestatário que coloca em discussÃo o modelo prussiano. Surge germe da sociedade civil = embrião de organização cultural exterior ao Estado.

1922 fundação do Partido Comunista – representava embrião de um autêntico partido moderno, que é momento básico de uma sociedade civil efetiva.

p.27 Estado pós-30 lutou para extinguir a autonomia da sociedade civil nascente, incorporando corporativamente os sindicatos à estrutura do Estado, instalando em 1937 uma ditadura aberta.

p.28 Mas, diversificação da formação social brasileira prosseguia pois o próprio capitalismo à prussiana, impulsionado pelo estado getulista encarregava-se de promovê-la.

Cultura nacional-popular nos romances nordestinos (lins rego, gracialiano)

Aparecem tendência à socialização da polítca que começa a se manifestar nos anos 30. Mivimentos políticos de massa como aliança nacional libertadora e a ação integralista brasileira.

p.29 Golpe de 1937 comprovação de que é débil a sociedade civil, embrionária. Empreendimento de uma processo de modernização capitalista conservadora, afastando o povo de qualquer decisão, quebrando autonomia da soeciedade civil nascente.

1945 embriões da sociedade civil aparecem de modo mais claro, com a redemocratização do país. Partido comunista como partido de massas, sindicatos começam a ter peso crescente nas lutas econômicas, mesmo que ainda ligados ao Ministério do Trabalho, camadas medias buscam organizações independentes nos partidos ou fora. Democratização geral da vida brasileira.

p.30 Tudo isso amplia o campo da organização material da cultura, há empenho social da intelectualidade, maior comprometimento com as causas populares e nacionais.

Possibilidade de subsistir fora da cooptação e do favor dos poderosos, graças às redes de organização culturais, permite ao intelectual escapar facilmente dos impasses a que é levado pela situação do intimismo à sombra do poder.

p.31 Intelectual brasileiro não é necessariamente elitista só porque ser funcionário publico

· há tendência para que isso ocorra, mas essa tendência só se dá pela média.

· exceções à média aumentam no momento em que se estrutura uma sociedade civil.

período pré-1964 constante ampliação da democratização geral da vida brasileira.

p.32 1964 truncamento do processo de democratixação impondo uma solução prussiana para problema da necessidade de levar o país a uma nova acumulação capitalista. Houve esforço par destroçar sociedade civil autônoma e organizações da cultura não foram poupadas.

· repressão e censura dos intelectuais que defendiam orientação nacional popular

· autonomia da sociedade civil que é base necessária para cultura pluralista e democrática.

Foi responsável pela passagem do capitalismo brasileiro para nova etapa: capitalismo monopolista de Estado – parte substancial do sistema de organização da cultura passou a ser dominada por monopólios..

p.34 O regime, modernizando o país, promovendo o intenso desenvolvimetno das forças produtivas, deu impulso aos fatores objetivos que levam a uma diferenciação social e, como tal, à construção de uma autentica sociedade civil entre nós.

Ditadura brasileira não foi ditadura fascista clássica, ou seja, um regime reacionário com base de massas organizadas. Se tratou sempre de um consenso passivo, que pressupunha atomização das massas e não se expressava mediante organizações de apoio ativo à ditadura. Regime era desmobilizador. Sua tentativa de legitimação não se fundava numa ideologia claramente fascista, mas na luta contra ideologias em geral, contra a política, acusadas de dividirem a nação e de impedirem a segurança que garante o desenvolvimento. Dispensou luta de massas e intelectuais orgânicos.

p.35 anos 70 crise dessa ideologia da não ideologia.Para lutar pela obtenção do consenso civil se viu forçado a abandonas a repressão e fazer política.

p.36 Intelectual sente necessidade de se organizar, luta pela sua autonomia enquanto criador. Luta específica articula-se com a luta geral, pela liberdade de expressão, criação e crítica, que so podem ser preservadas em um regime democrático aberto à democratização social. Intelectuais passam a ser uma parcela do mundo do trabalho.

Intelectuais passam a compreender de dentro (como produtores de culturs) a necessidade de construção de uma sociedade democrática.

Cultura e Sociedade no Brasil. Nelson Coutinho.

p.41 Subordinação formal e subordinação real: ou como as idéias entram no lugar

Brasil emerge na época do predomínio do capital mercantil, na época da criação de um mercado mundial. Pré-história reside no processo de acumulação primitiva que tinha como centro a Europa. Objetivo central do colonialismo: extorquir valores de uso produzidos pelas economias não-capitalistas e transformá-los em valores de troca no mercado internacional.

p.42 Subordinação se dava no plano da circulação: subordinação formal mantinha intocado o modo de produção da colônia.

Particularidade Brasil: não havia no território uma formação econômico-social que fosse capaz de fornecer excedentes ao processo de circulação do capital mercantil colonialista. Era necessário criar um aparelho produtivo que se articulasse com o mercado mundial.

p.43 Elemento escravista fornece a marca determinante da formação econômico-social.

p.44 Interfere na produtividade do sistema, que se mantém estacionária (ao contrário do feudalismo). Sua marca está na estrutura de classe: criação de faixas médias marginalizadas pelo sistema que só podem se reproduzir através do favor dos poderosos.

Conseqüência cultural do fato de que pressupostos da formação econômico-social estivessem situados no exterior: penetração da cultura européia não encontrou obstáculos prévios, não existia cultura autóctone anterior à colonização que aparecesse como “nacional” em oposição ao “universal”

p.45 Classes fundamentais no Brasil encontram suas expressões ideológicas e culturais na Europa. Cultura universal era potencialmente interna e foi se tornando efetivamente interna à medida que era assimilada por uma classe ou bloco de classe ligada ao modo de produção.

p.46 Quando o pensamento brasileiro importa ideologia universal, isso prova que determinada classe encontrou nessa ideologia a expressão de seus interesses brasileiros de classe.

p.47 Como quase toda reprodução social, também a da dependência é uma reprodução ampliada, que implica a longo prazo transformações de qualidade. Ocorre progressiva conversão da dependência pela subordinação formal através da dependência da subordinação real; isso se da quando o próprio modo de produção interno, sob a ação combinada de fatores endógenos e exógenos, vai se tornando efetivamente capitalista e se subordinando não apenas ao capital mercantil e comercial, mas também e sobretudo ao capital industrial e financeiro internacionais. Essa conversão cria novas condições para a história cultural. Quanto mais passa a predominar a subordinação real, tanto mais vai desaparecendo aquele fenômeno que Roberto Schuwarz, em sua análise sobre a cultura brasileira do séc XIX chamou de “idéias fora do lugar.

p.48 Schuwarz – inadequação entre idéias e realidade: importação do liberalismo.

Interpretação Coutinho: dialética de adequação e inadequação. Liberalismo expressa interesses efetivos das camadas dominantes: livre cambismo, cálculo racional na comercialização, igualdade jurídico-formal. Mas, também expressa interesses dos homens livres e não proprietários, que viam assegurados pela ideologia liberal seus direitos formais à igualdade com os senhores e sua diferença em face dos escravos. Entretanto, diante do fenômenos da escravidão, da desigualdade estabelecida como fato natural, do trabalho fundado sobre a coerção extra econômica e não sobre a livre contratação, o liberalismo revela então sua face inadequada e “fora do lugar”. Além disso, não se pode falar em regulamentação liberal no relacionamento entre a classe dominante e os homens livres sem propriedade, pois o favor (vínculos de dependência pessoal pré-capitalista) marca esse relacionamento autoritário e antiliberal.

p.49 Crítica à Schuwarz dialética da adequação inadequação altera-se com a passagem à subordinação real. Com a transição do modo de produção interno à fase propriamente capitalista, as idéias importadas vão cada vez mais entrando em seu lugar, tornando-se mais aderentes às realidades e aos interesses de classe que tentam expressar. As contradições ideológicas que marcam a vida cultural brasileira do século XX aproximam-se cada vez mais às contradições próprias da cultura universal do período.

p.50 Os efeitos da via prussiana sobre a intelectualidade brasileira

Articulação entre as classes e o poder político que foi característica da evolução histórica do Brasil. O processo de modernização econômico-social seguiu uma “via prussiana” ou uma “revolução passiva”.

· transformações não resultaram de autênticas revoluções, de movimentos provenientes de baixo para cima, mas se processaram através da conciliação entre grupos opositores economicamente dominantes, por reformas “pelo alto”

· expressão central na questão da passagem para o capitalismo, no modo de adequar a estrutura agrária às necessidades do capital

p.51 Brasil todas as alternativas concretas vividas pelo país ligadas a essa transição (independência, abolição, república, modificação do bloco do poder em 1930 e 1937, passagem para novo patamar de acumulação-1964), encontraram uma resposta à prussiana.

Transição do Brasil para o capitalismo não se deu apenas no quadro da reprodução ampliada da dependência (passagem da subordinação formal à real), mas se processou também segundo o modelo de modernização conservadora prussiana.

p.52 Consequência da “via prussiana” no plano da cultura

· fortalecimento da “sociedade política” (aparelhos burocráticos e militares que exercem a dominação através do governo) em detrimento da “sociedade civil” (conjunto de aparelhos ideológicos através dos quais uma classe luta pela hegemonia ou pela capacidade de dirigir o conjunto da sociedade). Isso ocorreu porque o instrumento e o local de conciliação de classes foi sempre o Estado.

Modelo de evolução sobredeterminou o modo de relacionamento clássico entre intelectuais e classes sociais.

p.53 debilidade da sociedade civil

· minimizou papéis essenciais da cultura – o de expressar consciência social das classes em choque e de organizar hegemonia ideológica de uma classe. Cultura brasileira tornou-se ornamental já que tinha como médium que é a sociedade civil.

· isolamento dos grupos populares do processo político através da cooptação das camadas médias pelas classes dominantes, tanto pelas vias do favor na época da escravidão, como pelo recrutamento da burocracia civil e militar a partir do segundo império e a criação de um setor privilegiado de tecnocratas dotados de alto poder de consumo.

O escasso peso dos aparelhos privados de hegemonia e dos partidos políticos de massa na formação social brasileira condenou os intelectuais que se recusavam a cooptação à marginalidade no plano cultural.

p.54 Conj de pressupostos prepara intimismo à sombra do poder que liga-se ao problema da ornamentalidade da cultura. Não obriga intelectual a posicionar-se de maneira apologética com relação ao existente, mas a optar por formulações neutras, socialmente assépticas, não pondo em discussão os fundamentos daquele poder.

p.55 Obras de arte são apologéticas no sentido mediatizado que Lukács – partindo da idéias de que não existe ideologia socialmente inocente – resumiu na expressão “apologia indireta”do existente. Afastam da ótica da arte ou da ciência social as contradições concretas da realidade, transformam o inessencial em essencial, obscurecendo uma justa consciência dos problemas efetivos do povo-nação.

p.56 Elitismo antipopular aparece em pensadores autoritários de direito e também no pensamento liberal tornando-o acentuadamente moderado e conservador. Liberal defende a mudança, valendo-se de ideologias progressistas, mas recusa as conseqüências últimas do progresso, por temor à anarquia, caos, “forças populares imaturas”. (tendência ao ecletismo – conciliação ideológica)

p.57 Até intelectuais progressistas apresentam tais tendências ao ecletismo.

p.58 Tendências ao confusionismo ideológico não resultam simplesmente de escolha objetiva, mas sim de condicionamentos objetivos de nossa formação histórica.

Cura não é apenas questão de disposição pessoal dos intelectuais, mas passa pela orgânica integração dos intelectuais com a luta de classes subalternas para se afirmarem como sujeitos efetivos de nossa evolução social e política.

p.59 O nacional-popular como alternativa à cultura intimista

Determinações essenciais do nacional popular enquanto tendência alternativa no seio da cultura brasileira. Aparece como oposição democrática às várias configurações concretas assumidas pela ideologia prussiana.

p.60 Nacional-popular (pelo lado negativo) quebra do distanciamento entre os intelectuais e o povo, distanciamento que está na raiz do florescimento da cultura intimista ou do elitismo cultural. Ele não pode ser entendido com algo oposto ao universal, como simples afirmação de nossas pretensas raízes autônomas, já que a cultua brasileira vincula-se organicamente ao patrimônio cultural universal. Só há cosmopolitismo abstrato/alienado quando importação cultural não tem como objetivo responder a questões colocadas pela própria realidade brasileira e visa tão somente satisfazer círculo de intelectuais intimistas.

p.61 Nacional popular não se confunde com fechamento provinciano e popularesco diante das conquistas progressistas da cultura mundial. Esse “nacionalismo cultural”expressam empobrecimento da expressão estética e na limitação das potencialidades críticas da consciência ideológica das forças populares = ideologia retrógrada, manifestação ideológica da via prussiana antipopular.

p.63 Método do realismo crítico unifica (a posteriori) na diversidade as várias expressões concretas do nacional popular no terreno estético (algo tendencial, estabelecido post festum)

p.64 Nacional popular não dev ser confundido com a imposição de um temática predeterminada. Se manifesta no ângulo de abordagem, ponto de vista a partir do qual o criador estrutura sua obra.

Benjamin Constant. Escritos de Política.

Capítulo I – Da soberania do Povo

p.7 princípio da soberania popular não pode ser contestado, entretanto, é necessário conceber sua natureza e determinar corretamente sua extensão porque o reconhecimento abstrato desse princípio não aumenta em nada a soma de liberdade dos indivíduos

p.8 quando se estabelece que soberania do povo é ilimitada, cria-se e lança-se ao acaso na sociedade um grau de poder demasiado grande por si mesmo e que é um mal que se expressará através de qualquer tipo de governo. Entretanto, o que se deve acusar não são os depositários da força, mas o grau de força criado.

p.9 poder sem limites à soberania do povo: erro vem da maneira como se formaram suas idéias em política. Sua ira se voltou para os possuidores de poder, não para o próprio poder, em, ao invés de destruí-lo, só o deslocaram.

é errado que a sociedade inteira possua sobre seus membros uma soberania sem limites, apesar de ser certo que nenhum indivíduo ou classe tenha o direito de submeter o resto à sua vontade. – soberania só existe de maneira limitada e relativa, detém-se a soberania no ponto em que começa a independência e existência individuais.

universalidade dos cidadãos certo no sentido de que nenhuma fração ou indivíduo possa se arrogar soberania se não lhe for delegada. Mas daí não decorre que os que são investidos pela soberania popular possam dispor soberanamente da existência dos indivíduos - há parte da existência humana que, necessariamente, permanece individual e independente, e que está de direito fora de qualquer competência social.

há atos que nada, nem a soberania popular, pode sancionar.

p.10 crítica a Rousseau desconheceu verdade acima e seu contrato social se tornou auxiliar de todos os gêneros de despotismo, mesmo que tantas vezes tenha sido invocado em favor da liberdade. Rousseau, ao definir o contrato social, depositou todos os poderes conservadores no soberano, isto é, o corpo social. Entretanto, esqueceu que esses poderes ele confere ao conjunto de todos os indivíduos, sem exceção, e que, assim que o soberano tem que fazer uso da força, não a pode exercer por si mesmo, deve delegá-la, fazendo desaparecer assim todos os atributos.

p.11 a ação sancionada por todos passa a estar nas mãos de um só ou de poucos e, dando-se a todos não é verdade que não se dá a ninguém, dá-se sim aos que agem em nome de todos.

por isso Rousseau, ao a dimensão da força que criou e não encontrou outro preservativo que não proibi-la de ser alienada, delegada ou representada – ou seja, nÃo podia ser exercida.

p.12 Hobbes homem que mais espiritualmente reduziu o despotismo do sistema, reconhecendo a soberania como ilimitada para deduzir daí a legitimidade do governo de um só. “soberania é absoluta”, e essa é base de todo o seu sistema.

p.12 Crítica a Hobbes verdade que o soberano tem direito de punir, de fazer guerra e leis, mas somente as ações culpadas, quando a sociedade é atacada e quando leis são necessárias e conforme a justiça.

Democracia não é soberania absoluta nas mãos de todos, mas autoridade depositada nas mãos de todos, e somente autoridade necessária à segurança da associação. E mesmo a monarquia e a aristocracia, que, para Hobbes são soberanias nas mãos de um só ou de alguns, devem ter poder limitado, tal como o do povo que dele os investiu.

p.13 quando soberania não é limitada não há nenhum meio de por os indivíduos ao abrigo dos governos.

de nada adianta dividir os poderes: se a soma total do poder é ilimitada, os poderes divididos só necessitam formar coalizão e o despotismo é irremediável. O que nos importa não é que nossos direitos não possam ser violados por certo poder sem a aprovação do outro, mas que essa violação seja vedada a todos os poderes.

p.14 Direitos dos cidadãos que são independentes de toda autoridade: liberdade individual, liberdade religiosa, liberdade de opinião – sua publicidade – o gozo da propriedade, a garantia contra toda e qualquer arbitrariedade.

Lei: expressão da vontade do povo. também não é ilimitada.

Dever: todas as leis que uma lei parece injusta, é não se fazer seu executor.

Conseqüências dos princípios de Constant

p.15 – soberania do povo não é ilimitada, é circunscrita em limites que lhe traçam a justiça e os direitos do indivíduo.

- vontade do povo não pode tornar junto o que é injusto

- força não é um direito, pois passa a quem a empolgar.

p.16 Como limitar o poder de outro modo que não seja pelo poder? primeiro, pela força que garante todas as verdades reconhecidas: a opinião pública; depois, de maneira mais precisa pela distribuição e equilíbrio de poderes.

Capítulo II – Da natureza do poder real numa monarquia constitucional

p.18 poder real x poder ministerial. autoridade do monarca é inviolável, ministro são os responsáveis. Constituição quer que eles sejam responsáveis perante a a nação e que, em certos casos, nem a ordem do monarca lhes sirva como desculpa: não são só a gentes passivos, um poder que emana do poder real.

autoridade investida de inviolabilidade x autoridade responsável

p.19 Poder real é um poder neutro, poder ministerial é um poder ativo.

metáfora das engrenagens: poder executivo, legislativo e judiciário são três engrenagens que devem cooperar, cada qual em seu âmbito, para um movimento geral. Mas quando essas engrenagens se entrechocam, é necessária uma força que as reponha em seu lugar. Essa força não pode estar em uma das três engrenagens, senão destruiria as outras, tem de estar fora, ser neutra, para que sua ação se aplique onde quer que seja necessário e que seja preservadora. Numa monarquia constitucional essa força seria o chefe de Estado.

5 poderes em uma monarquia constitucional: poder real, poder executivo (ministros, fazem leis), poder representativo da duração (assembléia hereditária, fazem leis), poder representativo da opinião pública (assembléia eletiva, execução geral das leis), poder judiciário (tribunais, casos particulares).

Poder real fica no meio, acima dos outros, autoridade ao mesmo tempo superior e intermediária.

p.20 Monarquia absoluta x monarquia constitucional na monarquia constitucional toma-se precaução para que chefe de estado não possa agir no lugar dos outros poderes.

vício de quase todas as instituições foi o de não ter criado um poder neutro, mas ter posto em um dos poderes ativos a soma total da autoridade de que tal poder deve ser investido.

p.22 não se deve confundir o poder do monarca com o poder executivo.

Autoridade que poderia destituir o poder executivo tem na monarquia absoluta, um defeito, o de que é sua aliada, e, na república, o de que ela é sua inimiga.

p.23 Na monarquia constitucional o poder executivo é destituído sem ser perseguido

p.24 É um grande vício de toda a Constituição o de não deixar alternativa aos homens poderosos, a não ser entre o seu poder e o cadafalso.

p.24-26 monarquia constitucional x república

- monarca hereditário pode e deve ser irresponsável, é um ser à parte no topo do edifício, sua atribuição lhe é particular; um poder republicano que se renova periodicamente não é um ser à parte, não tem nada de mais precioso do que defender a sua autoridade, que fica comprometida assim que atacam o ministério, composto de homens como ele e com os quais é sempre solidário.

-quando poder supremo é inviolável, ministros se constituem juízes da obediência que eles próprios lhe devem, só lhe podem recusar obediência apresentando carta de demissão. veneração acerca do monarca permite que este não seja comparado com seus ministros; em uma república comparação seria entre poder supremo e ex-ministros, levando a desejar que estes se tornassem o novo poder supremo.

- qual utilidade do poder superior aos ministérios? em uma monarquia, poder superior impede que outros tomem esse poder e estabelecer um ponto fixo, de que paixões não possam se aproximar; em um república, todos cidadãos podem chegar ao poder supremo.

Repúblicas são forçadas a tornar responsável o poder supremo.

Capítulo III – Do direito de dissolver as assembléias representativas

p.31 a favor do direto do poder supremo a dissolver assembléias representativas

organização política que não consagrasse essa atividade ao chefe de estado se tornaria demagogia desenfreada e turbulenta, a não ser que o despotismo, suprimindo por medidas autoritárias as prerrogativas legais, reduzisse as assembléias ao papel de instrumentos passivos, mudos e cegos.

Há que preparar meios para previnir desvios das assembléias. Um dos seus desvios é a tendência a multiplicar ao infinito o número de leis, desvio que seria irremediável se não ocorresse sua dissolução e recomposição imediata.

p.32 propensões naturais dos legisladores: necessidade de agir e prazer de se acreditar necessário.

multiplicidade de leis é a doença dos Estados Representativos, porque nesses estados tudo se faz por meio das leis, enquanto a ausência de leis é a doença das monarquias sem limites, porque nessa monarquia tudo se faz por meio de homens.

assembléia e deputados que não podem ser reprimidos nem contidos, é , de todos os poderes, o mais cego em seus movimentos, mais incalculável em seus resultados.

p.34 entretanto, se não houver assembléia legislativa, o povo não terá mais órgãos, governo não teria mais apoio, crédito do público não teria mais garantia. A nação se isolaria de sei chefe, os indivíduos da nação. Somente as assembléias representativas introduzem a vida no corpo político.

Capítulo IV – De uma assembléia hereditária e da necessidade de não limitar o número de seus membros

p.37 nobreza necessita vincular-se a prerrogativas constitucionais e determinadas. essas prerrogativas são menos ofensivas para os que não as possui e proporcionam, ao mesmo tempo, maior força para os que a possuem.

p.38 câmara hereditária: povo não tem o direito de eleger e governo não tem direito de dissolver. Se número de participantes for limitado, pode-se formar um partido que só poderá ser derrubado se for tb derrubada a constituição. Formação de uma aristocracia.

Capítulo VII – Da discussão nas assembléias representativas

p.66 crítica à defesa de discursos escritos. Não há discussão, discursos só se amplificam. Além disso, há a necessidade de fazer efeito, que ameaça a ordem e a liberdade. Necessidade de convencer que metamorfoseia o homem em instrumento de sua própria liberdade.

p.67 para que assembléias representativas sejam mais exatas, é necessário que se imponha aos homens que nela queiram brilhar que tenham talento. Deve-se banir os discursos escritos e criar uma maioria silenciosa que, disciplinada, é reduzida a ouvir os homens verdadeiramente talentosos, condenada a ser modesta e que se torna sensata, calando-se.

p.68 ministros que participam da assembléia devem ser seus membros por eleição nacional. deve haver compatibilidade entre ministério e representação, assim o povo, que poderá participar do poder, não considerará assembléia como inimiga e assim se conservará a instituição, mesmo que alguém seja contra seus membros.

Capítulo VIII – Da iniciativa

Capítulo IX – Da responsabilidade dos ministros

p.72 Ministros deveriam ser julgados como cidadãos quando por atentados contra a liberdade, a segurança e a propriedade individual, porque esses crimes não possuem relação alguma com as atribuições de que eles são investidos legalmente.

p.73 Contestaram sobre a capacidade dos tribunais ordinários de se pronunciar sobre acusações dessa natureza, porque são fracos e temeriam condenar homens poderosos.

Essa objeção é um resíduo do sistema em que se admitia que a segurança do Estado podia exigir atos arbitrários.

p.74 Para Constant, não há segurança pública sem garantia individual. Segurança pública é comprometida especialmente se os cidadãos vêem na autoridade um perigo. Arbitrariedade é o verdadeiro inimigo da segurança pública.

Constituição tornou ministros inamovíveis. Eles sabem que ao julgar ministros e outros acusados não podem sofrer nenhuma animadversão.

p.75 Há também uma outra garantia, além daquela do cidadão ter o direito de exigir reparação: representantes da nação também podem assumir a mesma causa, acusando o ministro por comprometer a segurança e a honra do Estado.

Só falta na Constituição que os ministros possam encontrar nas leis proteção eqüitativa e suficiente.

Atos ilegais dos ministros contra interesse geral devem ser denunciados e julgados pela Assembléia Representativa, e não por um indivíduo

Quanto ao abuso de poder legal, representantes do povo são os únicos capazes de julgar, e o tribunal particular é o único em condições de julgar o caso.

p.76 Um ministro pode causar tanto mal sem se afastar da lei positiva, que se você não preparar meios constitucionais para reprimir esse mal e punir e afastar o culpado, a necessidade levará a encontrar esses meios fora da Constituição mesma.

p.77 axioma: Lei sobre a Responsabilidade não poderia ser detalhada como as leis comuns e é uma lei política, cuja natureza e aplicação têm inevitavelmente algo de discricionário (ilimitado).

p.78 Outra vantagem da Constituição é que todos os processos podem ser públicos. Isso não coloca em risco a honra dos ministros, pois nessas discussões não se divulga nenhum fato, apenas se coloca fatos públicos sob um novo ponto de vista.

p.79 Em julgamentos secretos não se evita que o acusador fale, mas que lhe respondam.

p.81 Pariato é tribunal particular onde se julgam os ministros pois, acusação de ministros e na realidade um processo entre o poder executivo e o poder do povo. Para levá-lo a cabo, portanto, deve-se recorrer a um tribunal que tenha interesse distinto de ambos e que esteja, ao mesmo tempo, reunido, por outro interesse, ao do governo e ao do povo.

Privilégios da Câmara dos Pares separam os indivíduos que o possuem do povo. Como sei número é sempre um obstáculo a que sua maioria possa participar do governo, essa maioria tem interesse distinto ai do governo. Pares têm interesse pela liberdade do povo pois significa sua liberdade e dignidade e têm interesse pela manutenção do governo, porque se ele for derrubado também o será o pariato = juiz adequados dos ministros.

Representantes da Nação, por serem eleitos por tempo limitado e tendo necessidade de agradar seus mandantes, sempre se ressentem de sua origem popular e da situação que volta ser precária em épocas fixas; além disso, são levados muitas vezes a mostrar-se antagonistas aos ministros. Quanto aos tribunais ordinários, podem julgar ministros culpados por atentados contra indivíduos, mas são pouco adequados a se pronunciar sobre causas que são muito mais políticas do que judiciárias.

p.82 Qualquer tentativa no sentido de redigir sobre a responsabilidade dos ministros uma lei precisa e detalhada, como devem ser as leis criminais, é ilusória.

p.83 Constant é contra leis infamantes porque sempre que uma lei se arroga a distribuição da honra e da vergonha, ela invade desastradamente o domínio da opinião pública, e esta última está disposta a reclamar sua supremacia.

p.84 Ficção legal da monarquia constitucional: a inviolabilidade. O monarca não pode fazer o mal. Esse princípio deve ser mantido. Não se deve considerar na ação do poder ninguém mais que os ministros: eles estão ali para responder por ela. O monarca está num recinto à parte, e sagrado. Ele não tem intenções nem fraquezas, não tem conivência cim seus ministros, porque não ;e um homem, é um poder neutro e abstrato.

p.86 Deveria haver uma lei que, depois de atingir o culpado, o tomasse sob sua proteção. Nenhum ministro deveria ser ser exilado, detido ou afastado do seu domicílio.

p.87 A responsabilidade deve alcançar duas finalidades: tirar a potência dos ministros culpados e a de manter a naçÃo, pela vigilância de seus representantes, pela publicidade de sesu debates e pelo exercício da liberdade de imprensa, aplicado à análise de todos os atos ministeriais, um espírito de exame, um interesse na manutenção da Constituição do Estado, uma constante participação nos negócios, um sentimento animado de vida política.

Capítulo X – Da declaração de que os ministros são indignos de confiança pública

p.91 direito seria das assembléias representativas ao julgar um ministro. Entretanto, essa declaração de fato já existe quando o ministro perde sua maioria nas assembléias. Além disse, por ser menos formal, será mais prodigalizada (dar em grande quantidade).

p.92 Além disso, não existe nenhum tribunal que possa se pronunciar sobre a declaração em apreço. Declaração é um ato de hostilidade inconveniente por não ter resultado fixo e necessário.

Também é um atentado direto contra a prerrogativa real: contesta ao príncipe sua liberdade de opção. Ministros podem se tornar culpados sem que o monarca tenha errado ao nomeá-los, mas se eles são declarados indignos de confiança pública o príncipe é incriminado ou em suas intenções ou em suas luzes. De novo, toca no direito de inviolabilidade.

p.93 Declaração se tornará uma fórmula sem conseqüência ou arma nas mãos de facções. Único meio legal e constitucional de provar a confiança ou não de um ministro é a maioria que ele desfruta.

Capítulo XII – Do poder municipal, das autoridades locais e de um novo gênero de federalismo.

p.102 A direção dos assuntos de todos cabe aos representantes e aos delegados de todos. O que ó interesse a uma fração deve ser decidido por uma fração, e assim por diante - a vontade geral não é mais respeitável que a vontade particular.

p.103 A autoridade nacional, a autoridade regional, a autoridade municipal devem permanecer cada qual na sua esfera = verdade fundamento: se até aqui o poder local foi considerado como dependente do executivo; mas, se nunca deve entravá-lo, dele também não deve depender. Se um depender do outra haverá conflito e confusão de interesses e as leis gerais serão mal executava e os interesses locais, mal favorecidos.

p.104 Se se fizer dos membros do poder municipal agentes subordinados ao poder executivo, o poder municipal não passará de um fantasma. Se eles forem nomeados pelo povo, essa nomeação só servirá para dar aparência de missão popular, o que o porá em hostilidade com autoridade superior.

O poder municipal deve ocupar, na administração, o lugar de juízes de paz na ordem judiciária. Ele só é um poder em relação aos administrados.

p.105 É preciso introduzir na administração um federalismo diferente daquele que se conhece.

Noção antiga de federalismo associação de governos que não haviam conservado sua independência mútua e só se mantinham ligados por laços políticos externos. – instituição viciosa, porque de um lado reclamam uma jurisdição que não deveriam ter e de outro, reclamam do poder central uma independência que não deve existir. Compatível ora com o despotismo, ora com a anarquia.

p.106 Federalismo A Constituição interna de um estado e suas relações exteriores são intimamente ligadas. Uma sociedade que quer se unir a outra sociedade, tem o direito, o dever e o interesse de se informar sobre sai Constituição interior. Cada sociedade parcial deve entrar em uma dependência mais ou menos grande da associação geral e, contanto que arranjos internos não tenham nenhuma influência sobre a associação geral, devem permanecer independentes.

p.107 É importante o apego aos costumes locais. Nos Estados em que se destrói toda a vida parcial forma-se no centro um pequeno Estado, na capital aglomeram-se todos os interesses; o resto é imóvel.

Capítulo XII – Do direito de paz e de guerra

p. 108 Dizer que é preciso ater-se à defensiva é não dizer nada: às vezes a defensiva não passa de uma hábil hipocrisia e a ofensiva torna-se legítima defesa. Proibir que governos continuem hostilidades depois das fronteiras também é precaução ilusória, porque deveríamos dar tempo para os inimigos recuperar forças só porque existe uma linha ideal?

Única garantia contra guerras inúteis é a energia das assembléias representativas. Elas concedem o recrutamento de homens, consentem impostos.

Capítulo XVI – Da liberdade de imprensa

p.131 único modo eficaz de reprimir delitos da imprensa: deixam-lhe sua independência, o julgamento por um júri.

p.132 quanto mais licença se dá a imprensa, menos se dá atenção a produções desprezíveis, de libelistas.

mas, para o interesse da própria imprensa é necessário que haja leis penais, redigidas com moderação: proibição de provocações ao assassinato e à guerra civil, convites ao inimigo estrangeiro, insultos direitos ao chefe de estado.

p.133 Isso se deve à neutralidade do poder real, condição indispensável de toda monarquia constitucional, onde reside toda a estabilidade. Se o poder não pode agi contra os cidadãos, cidadãos não podem agir contra ele.

Capítulo XVII – Da liberdade religiosa

p.134 única idéia razoável no que concerne a religião: liberdade dos cultos sem restrição, sem privilégio, sem obrigar indivíduos a declarar seu assentimento a um culto em particular.

p.135 crítica a Rousseau e sua idéia de uma profissão puramente civil que quem não adotasse seria banido do estado como insociável.

Intolerância civil é tão perigosa e mais absurda que a intolerância religiosa.

p.137 Religião é, em sua essência, a incansável amiga do infortunado. É de todas as nossas emoções a mais natural. Todos os sentimentos ilimitados nutrem o sentimento religioso.

p.138 Ausência de sentimentos religioso não é indício de ausência moral em homens esclarecidos, mas, entre homens vulgares, indica espírito frívolo.

p.140 nas mãos da autoridade, religião se tornou instituição ameaçadora. poder pretendeu

comandar o homem até em seus consolos (religião dogmática)

p.141 enquanto a autoridade deixar a religião completamente independente, ninguém terá interesse em atacar a religião. Mas se a autoridade quiser fazer dela aliada, a independência moral não demorará a atacá-la.

p.142 governo age mal quando intervém no que diz respeito à religião porque autoridade age sobre o interesse e não sobre a convicção

p.143 religião está na natureza, não se deve cobrir sua voz com a autoridade, ela deve se estabelecer sozinha, quando os homens dela tem necessidade.

p.145 O rico pode dispensar a religião porque ele reflete, o pobre pode dispensá-la porque a lei o apavora.

Capítulo XVIII – Da liberdade individual