quarta-feira, 2 de julho de 2008

SCHWARZ, Roberto - As Idéias fora do lugar (Schwarz I)

 SCHWARZ I - AS IDÉIAS FORA DO LUGAR

SCHWARZ, Roberto. "As idéias fora do lugar". In: Ao Vencedor as batatas.
Lançado em 1977


O autor contrariando a noção de que para enteder uma obra é necessário tecer um panoramo do momento histórico em que ela foi escrita, constroi "uma espécie de chão histórico, analisado, da experiência intelectual." Seu interesse é analisar a obra de Machado de Assis e portanto se reporta para o Brasil do Segundo Reinado. Aborda questões como idéias do liberalismo, escravidão e a lógica do favor.

    p.13 - Escravidão vs liberalismo europeu. 
Argumento liberal do período de Machado de Assis "põe fora o Brasil do sitema de ciência." "Outros autores naturalmente fizeram o raciocínio inverso. Uma vez que não se referem à nossa realidade, ciência econômica e demais ideologias liberais é que são, elas sim, abomináveis, impolíticas e estrangeiras, além de vulneráveis."
    p.14 - Comédia Ideológica. "É claro que a liberdade de trabalho, a igualdade perante a lei, e, de modo geral, o universalismo eram 
ideologia na Europa também; mas lá correspondiam às aparências, encobrindo o essencial - a exploração do trabalho. Entre nós, as mesmas idéias seriam falsas num sentido diverso, por assim dizer, original." Sérgio Buarque: 'Trazendo de países distantes nossas formas de vida, nossas instituições e nossa visão do mundo e timbrando em manter tudo isso em ambiente muitas vezes desfavorável e hostil, somos uns desterrados em nossa terra'.
            - Panorama da colonização. "Éramos um país agrário e independente, dividido em latifúndios, cuja 
produção dependia do trabalho escravo por um lado, e por outro do mercado externo." "Era inevitável, por exemplo, a presença entre nós do raciocínio econômico burguês - a prioridade do lucro, com seus corolários sociais - uma vez que dominava no comércio internacional, para onde a nossa economia era voltada." "Por outro lado, com igual fatalidade, este conjunto ideológico iria chocar-se contra a escravidão e seus defensores, e o que é mais, viver com eles."
    p.15 "O
latifúndio escravista havia sido na origem um empreendimento do capital comercial, e que portanto o lucro fora desde sempre o seu pivô. Ora, o lucro, como prioridade subjetiva é comum às formas antiquadas do capital e às mais modernas. De sorte que os incultos e abomináveis escravistas até certa data (...) foram no essencial capitalistas mais consequentes do que nossos defensores de Adam Smith, que no capitalismo achavam antes que tudo a liberdade."
            - "Por sua mera presença, 
a escravidão indicava a impropriedade das idéias liberais; o que entretanto é menos que orientar-lhes o movimento. Sendo embora a relação produtiva fundamental, a escravidão não era o nexo efetivo da vida idológica."
    p.16 - O favor. "Esquematizando, pode-se dizer que a colonização produziu, com base no 
monopólio da terra, três classes de população: o latifundiário, o escravo e o 'homem livre', na verdade dependente." Interessa-se pelo estudo da multidão desde último: "Nem proprietários nem proletários, seu acesso à vida social e a seus bens depende materialmente do favor, indireto ou direto, de um grande. O agregado é a sua caricatura. O favor, é portanto, o mecanismo através do qual se reproduz uma das grandes classes da sociedade, envolvendo também outra, a dos que têm." "Assim, com mil formas e nomes, o favor atravessou e afetou no conjunto a existência nacional, ressalvada sempre a relação produtiva de base, esta assegurada pela força." Estudos mostram que a lógica do favor permeou por longo tempo as relações com a escravaria que sempre esteve entre benefícios e violência. Fato que muda a partir da metade do XIX em que a escassa mão-de-obra obriga os senhores, atrás de produtividade a usar mais da força, concedendo menos privilégios. Ver curso de Brasil Independente I, Prof. Monica Dantas, 2008/1. Esteve presente em toda parte, desde as atividades afins dele como as ditas profissões liberais. "O favor é a nossa mediação universal(...) é compreensível que os escritores tenham baseado nele a sua interpretação do Brasil, involuntariamente disfarçando a violência, que sempre reinou na esfera da produção."
            - Favor é tão incompatível com as idéias liberais quanto a escravidão mas no brasil se encontram. 
Civilização burguesa: autonomia da pessoa, a universalidade da lei, a cultura desinteressada, a remuneração objetiva, a ética do trabalho. Favor: dependência da pessoa, exceção à regra, a cultura interessada, remuneração e serviços pessoais. "Não somos feudais, a colonização é um feito do capitalismo comercial."
    p.17 - "Adotadas as idéias e as razões européias, elas podiam servir e muitas vezes serviram de justificação, nominalmente 'objetiva, para o momento de arbítrio que é da natureza do favor. Sem prejuízo de existir, o antagonismo se desfaz em fumaça e os incompatíveis saem de mãos dadas." "De ideologia que havia sido - isto é, engano involuntário e bem fundado nas aparências - o liberalismo passa, na falta de outro termo, a penhor intencional duma variedade de prestígios com que nada tem a ver. Ao legitimar o arbítrio por meio de alguma razão 'racional', o favorecido conscientemente engrandece a si e ao seu benfeitor, que por sua vez não vê, nessa era de hegemonia das razões, motivo para desmenti-lo." "Nesse contexto, portanto, as ideologias não descrevem sequer falsamente a realidade, e não gravitam segunda uma lei que lhes seja própria - por isso as chamamos de segundo grau."
"Deriva sossegadamente do óbvio, sabido de todos - da inevitável 'superioridade' da Europa - e liga-se ao momento expressivo, de auto-estima e fantasia, que existe no favor." Valores da burguesia se tornam ornamento e marca de fidalguia: "atestam e festejam a participação numa esfera augusta, no caso a da Europa que se... industrializa." "Para manter-se precisa de cumplicidade permanente, cumplicidade que a prática do favor tende a garantir. No momento da prestação e da contraprestação - particularmente no instante-chave do reconhecimento recíproco - a nenhuma das partes interessa denunciar a outra, tendo embora a todo instante os elementos necessários para fazê-lo". "O favor assegurava às duas partes, em especial à mais fraca, de que nenhuma é escrava."
    p.19 - "As idéias da burguesia, a princípio voltadas contra o privilégio, a partir de 1848 se haviam tornado apologética: a vaga das lutas sociais na Europa mostrara que a universalidade disfarça antagonismos de classe. Portanto, para bem lhe reter o timbre ideológico é preciso considerar que o nosso discurso impróprio era oco também quando usado propriamente. "

    p.20 - Contrastes se encontram. Assim, posto de parte o raciocínio sobre as causas, resta na experiência aquele 'desconcerto' que foi o nosso ponto de partida: a sensação que o Brasil dá de dualismo e factício - constrastes rebarbativos, desproporções, disparates, anacronismos, contradições, conciliações e o que for - combinações que o Modernismo, o Tropicalismo e a Economia Política nos ensinaram a considerar."
    p.21 - Combinação desses contrastes nas revistas, nos jornais, na arquitetura, nos costumes
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Quincas Borba: "Desse modo, os estratos sociais que mais benefícios tiravam de um sistema econômico baseado na escravidão e destinado exclusivamente à produção agrícola procuravam criar, para seu uso, artificialmente, ambientes com características urbanas e européias, cuja operação exigia o afastamento dos escravos e onde tudo ou quase tudo era produto de importação." Sylvio Romero: "É mister fundar uma naçionalidade consciente de seus méritos e defeitos, de sua força e de seus delíquios, e não arrumar um pastiche, um arremedo de judas das festas populares que só serve para vergonha nossa aos olhos do esntrangeiro (...) Só um remédio existe para tamanho desideratum: - mergulharmo-nos na corrente vivificante das idéias naturalistas e monísticas, que vão transformando o velho mundo." Troca de um arremedo por outro: "assinala quanto era alheia a linguagem na qual se expressava, inevitavelmente, o nosso desejo de autenticidade." "Tanto a eternidade das relações sociais debase quanto a lepidez ideológica das 'elites' eram parte - a parte que nos toca - da gravitação deste sistema por assim dizer solar, e certamente internacional, que é o capitalismo. Em consequência, um latifúndio pouco modificado viu passarem as maneiras barroca, neoclássica, romântica, naturalista, modernista e outras que na Europa acompanharam e refletiram transformações imensas na ordem social. Seria de supor que aqui perdessem a justeza, o que em parte se deu. No entanto, vimos que é inevitável este desajuste, ao qual estávamos condenados pela máquina do colonialismo, e ao qual, poara que já fique indicado o seu alcance mais nacional, estava condenada a mesma máquina quando nos produzia."
    p.22 - No campo das artes essa situação não se mostra tão problemática." "Em resumo, as idéias liberais não se podiam praticar, sendo ao mesmo tempo indescartáveis." "Vimos o Brasil, bastião da escravatura, envergonhado diante delas - as idéias mais adiantadas do plante, ou quase, pois o socialismo já vinha à ordem do dia - e rancoroso, pois não serviam para nada. Mas eram adotadas também com orgulho, de forma ornamental, como prova de modernidade e distnção."
"Conhecer o Brasil era saber destes deslocamentos, vividos e praticados por todos como uma espécie de fatalidade, para os quais, entretanto, não havia nome, pois a utilização imprópria dos nomes era a sua natureza." "Contudo facilitava o ceticismo em face das ideologias, por vezes bem completo e descansado, e compatível aliás com muito verbalismo." "Ora, o fundamento deste ceticismo não está seguramente na exploração refletida dos limites do pensamento liberal. Está, se podemos dizer assim, no ponto de partida intuitivo, que nos dispensava do esforço." As idéias liberais "se eram aceitas, eram-no por razões que elas próprias não podiam aceitar."
    p.23 - Está-se vendo que este chão social é de consequência para a história da cultura: uma gravitação colmplexa, em que volta e meia se repete uma constelação na qual a ideologia hegemônica do Ocidente faz figura derrisória, de mania entre manias." Aponta semelhanças do que ocorre no Brasil com o que ocorre na literatura russa. "Na exarcebação deste confronto, em que o progresso é uma desgraça e o atraso uma vergonha, está uma das raízes profundas da literatura russa." "Em suma, a própria desqualificaçao do pensamento entre nós, que tão amargamente sentíamos, e que ainda hoje asfixia o estudioso do nosso século XIX, era uma ponta, um ponto nevrálgico por onde passa e se revela a história mundial."
    p.24 - "Ao longo de sua reprodução social, incansavelmente, o Brasil põe e repõe idéias européias, sempre em sentido impróprio." Nega a noção de panorama para entendimento da obra de um autor, no caso Machado de Assis. Tentei "especificar um mecanismo social, na forma em que ele se torna elemento interno e ativo da cultura." "Noutras palavras, uma espécie de chão histórico, analisado, da experiência intelectual." "Em suma, para analisar uma originalidade nacional, sensível no dia-a-dia, fomos levados a refletir sobre o processo da colonização em seu conjunto, que é internacional." "Ora, a gravitação cotidiana das idéias e das perscpectivas práticas é a matéria imediata e natural da literatura, desde o momento em que as formas fixas tenham perdido a sua vigência para as artes."  "Noutras palavras, definimos um campo vasto e heterogêneo, mas estruturado, que é resultado histórico, e pode ser origem artística. Ao estudá-lo, vimos que difere do europeu, usando embora o seu vocabulário. Portanto a própria diferença, a comparação e a distância fazem parte de sua definição. Trata-se de uma difenreça interna - o descentramento de que tanto falamos - em que as razões nos aparecem ora nossas, ora alheias, a uma luz ambígua, de efeito incerto." "E vê-se, variando-se ainda uma vez o mesmo tema, que embora lidando com o modesto tic-tac de nosso dia-a-dia, e sentado à escrivaninha num ponto qualquer do Brasil, o nosso romancista sempre teve como matéria, que ordena como pode, questões da história mundial; e que nãs as trata, se as tratar diretamente."

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